sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

2011/2012

Amigo secreto, presentes para a mãe, irmão, sobrinho. Panetone no café da manhã, árvore de Natal na sala. A saudade quase cessada com a gente que vem chegando de carro, ônibus, avião. Uma alegria tímida, querendo explodir na virada do ano. Uma retrospectiva mental . Uns projetos concluídos, outros em desenvolvimento e alguns nem no ínicio. Listinha de realizações para o novo ano. E você aqui, mesmo sem saber seu paradeiro. Suspeito do céu. E, sem querer, lembro da partida. Ainda dói 2011 em mim, por você. E dá frio na barriga, por 2012.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Prece

Pouco, mas o suficiente para querer que permaneça por um período longo. Quiçá interminável. De olhar para frente e desejar a sua mão na minha. De acordar já pensando em você e repetir o pensamento à noite. Rir a dois é melhor, de doer a barriga e pedir figa. Fico boba. E até duvido que você exista. Belisco. É de verdade, respirando numa frequência irresistível. Além do encaixe em mim. Que os trinta dias sejam apenas uma prévia do bem que você me faz.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Mentirinha

Quando a moça bonita se aproximou, não imaginava que a convidaria para um almoço no restaurante do outro lado da rua. Surpreendeu-se com a atitude. Há anos estendia a mão naquela esquina e nunca havia recebido tal convite. Talvez as rugas a tivessem ajudado. A piedade é maior para velhinhas que mendigam, concluiu. Enquanto atravessavam a rua, a moça bonita se explicava. Disse que ela lembrava a avó, que morreu há pouco tempo. É o mesmo tom de pele, o mesmo cabelinho cinza escondido num coque!, contava a moça bonita toda empolgada. A velha mendiga apenas sorria, sem jeito, sem responder nada. Refletida na janela do restaurante, hesitou em entrar. O reflexo lhe mostrava tantas coisas, inclusive que não era apta para o ambiente onde a levavam. A saia bege que descia até a canela tinha uns furinhos que, por mais que fossem remendados, insistiam em aparecer. Bege quase branca que contrastava com a blusa de lã pink, que lhe foi doada recentemente. Mas o que mais a incomodou mesmo não foi a roupa, mas a falta de um sapato fechado. O chinelo de dedo não escondia suas unhas sujas, de quem passa horas e horas caminhando pelas ruas. Num vai e vem curto, mas sem fim. Como ontem tinha chovido, debaixo das unhas ficou terra. Até esfregou quando chegou em casa, mas por não ter a força de outrora, não conseguiu tirar toda a sujeira. E o tempo não foi bondoso com ela, as rugas na sua face indicavam muito mais idade do que realmente tinha. Tímida, deu um passo para trás. Mas a moça bonita, num gesto natural, sugerindo apoio e compreensão, pegou-a pelo braço. Entraram juntas no restaurante. Durante o almoço, a moça bonita a entupiu de perguntas, além de comida, claro. A velha mendiga contou que morava distante, quase fora da cidade. Cuidava dos netos, cinco. Porque a filha tinha morrido. Depois que viuvou e sem forças para continuar na fábrica onde trabalhou por anos e anos, foi para as ruas. Fixou-se na esquina e a apontou da janela do restaurante. Seu trabalho não lhe trazia muito orgulho. Estender a mão à espera de esmola nunca esteve em seus planos. Mas aceitou o destino, visto que não tinha muitas alternativas. A moça bonita se disse sentida. Contudo, achou muito digna a velha mendiga que cuidava de metade de uma dezena de netos. Não devia ser fácil, pensava. Entristeceu-se. A velha mendiga, ao se despedir, rezou para moça bonita nunca descobrir a verdade. Pois a vida que tivera era muito mais triste do que contara. Preferia mentir sua história a pronunciá-la ou mesmo escutá-la. Posicionou-se na esquina, estendeu a mão. Ali, embora com certa vergonha, sentia-se melhor.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A caneta.

Eu estava lendo o livro, concentrada. Enquanto ele me rodeava, pedindo atenção. Atenção que eu negava. Até que ele me perguntou sobre o que era o livro. Numa tentativa desesperada de garantir a atenção, ele se mostrou interessado na minha leitura, aos quatro anos de idade! Eu disse que era livro de adulto. E ele continuou perguntando. Quem estava dentro do livro? O que acontecia? Foi chegando mais perto. Cercou-me. Sentou do meu lado. Com os dedinhos ia indicando palavras e perguntando o que elas significavam. Eu não resisti. Peguei a caneta marca texto, girei minhas mãos, transformei-me numa feiticeira e o transportei para dentro da obra. Enzo Gabriel, cara de pastel, eu quero você dentro desse livro de papel! O sorriso dele foi de orelha à orelha. Ele me pediu socorro, disse que tinha muito adulto dentro do livro, que as palavras estavam o afogando e que a vírgula queria matá-lo. Eu virava as páginas e ele virava junto. E a cada página virada, uma viagem. Uma nova aventura. Até que ameacei fechar o livro. Tia não! Se você fechar, eu fico aqui dentlo para semple. O rosto assustado indicava a angustia dele. Para sempre é muito tempo. Tá, sai daí Enzo. Ele sai faceiro, toma a caneta das minhas mãos e transforma coisas em sapos, gente em monstros. Há duas semanas que não encontro minha caneta...

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Escolha

Partir parecia tão fácil, uma alternativa madura e ao mesmo tempo divertida. Ares novos, pessoas novas. Eu gosto disso. Mas eu também gosto de rotina. Como uma boa capricorniana, eu sou sistemática e gosto de me sentir confortável num ambiente onde eu já conheço todos. E todos são tão bons. E eu penso em cada rosto que eu vou deixar de ver, em cada espaço que vai ficar nos abraços, em cada palavra que não vou escutar mais. “Tia” é elogio e ouvir por telefone não será a mesma coisa. Lidar com a saudade é penoso para mim, sempre foi. Acho que é por isso que, de uma maneira ou de outra, sempre trago quem eu gosto para perto. Ninguém entende o motivo de eu ficar. Às vezes nem eu. Eu estava preparada para partir a qualquer momento, mas agora a decisão pesa. O coerente é eu ir, sim, eu sei. E eu sempre faço o que é coerente, não é mesmo? Mas, a minha vontade é ficar. Aqui tem uma lista sem fim de prós. Lá? Tem, mas eu finjo que não tem. Aqui. Aqui fala tão forte em mim.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Coisa de adulto




A gente pede uma porta e o que abre é uma janela, com vista para um lugar bem diferente daquele que imaginamos. E diante da porta ainda trancada, fica a dúvida: pular pela janela ou girar a maçaneta? A gente até gira a maçaneta, mas a porta está chaveada. Então, olhamos pela janela, analisando a vista. Pode ser que não seja tão ruim. Nem o lugar e, quiçá, nem as pessoas. A gente respira fundo, suporta o frio que dá na barriga e que sobe seco dando nó na garganta. E reza, para que tudo dê certo. Porque é assim que adulto vive. De renúncias, dúvidas e apenas uma certeza. Somos aquilos que esolhemos ou, por vezes, aquilo que nos é permitido ser por um momento.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Encruzilhada

Ele notou primeiro o abismo que se instalou entre os dois. Não a procurava mais debaixo dos lençóis e nem fora deles. Ela fingia que era tudo como antes, temia reações. Não estava preparada para um término e nem mesmo para um recomeço. Indecisa, simulava normalidade. Talvez numa noite qualquer ou numa manhã de domingo os dois voltassem a se falar e se olhar. Era um palpite. Na verdade muito mais esperança do que palpite. Na alegria e na tristeza? Ele refletia sobre o juramento que nunca fizeram, mas que une a maioria dos casais. Não casaram. Foram morar juntos, amar-se bastava à época. Agora ele acha que podiam ter feito o juramento. Não sabe explicar o motivo, mas acredita que tem um peso maior quando duas pessoas se unem sabendo que devem se amar na alegria e na tristeza. Se pudesse, teria casado e jurado que a amaria na alegria e na tristeza. Contudo, na frieza, jamais. Sem saber, ela concordava com ele e não sabia como quebrar o gelo da relação. Se ela o amava? Ah, sim. Só que de vez em quando se esquecia. E o mesmo acontecia com ele. Há um momento em que os casais se perdem e que, mesmo juntos, seguem por direções opostas. Ele e ela sabem disso e torcem por uma encruzilhada. Que pode não aparecer.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Bicho-papão

Eu assusto os moços mais jovens. Eles, normalmente, acham que eu tenho entre 19 e 23 anos. 19 anos! Então, começa o diálogo. Jornalista formada. Recém-formada? Não, graduada há 4 anos, praticamente. Sou tia também. Buh! Susto. É engraçado. Os homens se intimidam com mulheres mais velhas. Eu acho graça. Só ainda não descobri se é vantagem ou não ter imã para calouros. Nada contra moços mais novos, que fique claro. Com os mais velhos acontece algo parecido. O problema com esses é um pouco mais agudo, porque as conversas que utilizam para a aproximação são limitadas. Destinadas às garotas de 15 anos. E eu aprecio bom papo. Eu tenho 26 anos. Nossa, jurava que era bem menos. Pois é. Aí até adequar a conversa à idade apropriada, foi-se a chance de haver interesse. Porque eu desanimo fácil. E eles também. A minha idade me complica. E eu me complico, mais ainda.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Cheirosinho

O vento intrometido passou pela fresta da janela e fez arrepiar os poucos cabelos que lhe restaram. Estava sentado na poltrona da sala cheia de filhos, netos e bisnetos, quando o vento, além de movimentar os fios de cabelos, levou sua fragrância a quem estava por perto. Mas antes mesmo da brisa, a família já tinha percebido o perfume. Elogiaram. Ele, tímido e ainda sem jeito, agradeceu com um riso sem graça.
Há anos não usava uma colônia e por isso as borrifadas que deu sobre o pescoço deixavam-no, embora cheiroso, desconfortável. Por um momento até achou que tivesse escutado um espirro, mas não. Ninguém espirrou. Queria mesmo era ter escutado um espirro, daqueles bem fininhos, curtinhos. Atchim! Era assim que a esposa reagiria. E escutar um espirro que não existiu o reportou para o primeiro encontro, quando pôde chegar pertinho dela.
Ela, de uma beleza singular. De nariz arrebitado, que rimava com o resto do rosto perfeitamente emoldurado pelos cabelos negros ondulados que lhe caíam até a altura dos ombros. Seduzido, quis chegar mais perto ainda da moça que não o deixava mais dormir. E foi por chegar mais perto e querê-la por perto que abandonou o uso de colônias. Ela era alérgica a qualquer cheiro, dos cítricos aos doces, dos amadeirados aos florais.
Não teve outro jeito se não abandonar os frascos, até o mais minúsculo que, à época, custou-lhe quase todas as suas economias de um ano. Se hoje estava perfumado, era porque a mulher não estava mais ao seu lado. Até que a morte os separe. Foi só assim que ficou longe da amada. No dia seguinte, deixou a fragrância de lado para não escutar espirros.

sábado, 6 de agosto de 2011

A fruta nunca cai longe do pé

Eu tão dona da razão, você tão dona do coração. Eu, um vulcão em erupção. Você, um mar sem onda. Você, a paciência que nunca tive. Eu, o imediatismo (aquela coisa de sem rodeios e de preferência já – agora) que você dispensa. Será efeito de nossas épocas? Pois é, até nisso a gente não combina. Nossa diferença de quase 30 anos de idade colabora para que pensemos de maneira tão oposta. E nessa coisa de sermos tão avessas, a gente se preocupa demasiadamente. Eu com você e você comigo. Você questiona as minhas escolhas, eu não entendo as suas. Daí que a gente se preocupa, que a gente coça a cabeça, coloca a mão no queixo. Depois desses movimentos de quem busca comprensão, o silêncio. Uma olha para outra. Você tenta se encontrar em mim e eu em você. Alguma coisa temos em comum. Temos de ter! Mas a gente ainda não achou essa parte em comum. A semelhança externa a gente vê todo dia. Eu vejo você no espelho e você me vê no seu espelho. Quiçá seja isso. Eu uma parte adormecida de você, aquilo que você nunca foi por algum motivo. E você uma parte do que eu ainda vou ser, por algum motivo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Microcrônica de comercial de margarida

Todo mundo em volta da mesa e ele me diz, sussurrando, como quem conta um segredo, escondendo a boca com as mãos: “Pirata”. Era para passar para frente. Passo para meu avô, que passa para a minha mãe, que passa para minha cunhada. “Cadê meu pai?” (Está se arrumando para aula). Telefone sem fio. Entre uma mordida no pão francês e o gole do café, a gente sussurra as palavras dele no ouvido do outro. Elefante, Pipoca, Carrinho, Huck. O café de fim de tarde e quase noite, a nossa janta, fica com gosto de filme de final feliz*.

*É, eu sei. Sou tia babona.

domingo, 31 de julho de 2011

Desaparecido

O poste estava cheio de papel. Quase não era mais poste, mas uma espécie de outdoor barato ao alcance de qualquer olho. Do mais atento ao mais preguiçoso. Bastava não ter olhos tão baixos, desses que se escondem mirando o chão, para dar de cara com os anúncios. Sexo por mixaria. Procura-se cachorro. Desaparecido. Perca peso, fale comigo. Vejo o futuro. Não tinha nenhuma novidade. Todo dia era assim. Ao aguardar o ônibus para voltar para casa tinha a mania de fitar o poste. De longe, lia todos os bilhetinhos fixados. Pegou essa mania depois que viu a mãe do desaparecido colocando o cartaz que anunciava o sumiço. Deu dó da mulher que, em meio às lágrimas e já encurvada como quem faz força para se manter em pé, fixava a folha de papel sulfite no poste. E nem precisou olhar a face da mãe para notar sua aflição. O ambiente ficou carregado e quem presenciou a colagem do cartaz se incomodou. Só tinha três aninhos o filho. Há quatro meses, desde que viu a mãe do desaparecido, imaginava as histórias por trás dos anúncios. E toda vez que mirava o poste, fantasiava. Deu nome para o cachorro: Tobi, que fugiu porque quis. Não queria donos nem nome fofo. Simples, fugiu. Era um cachorro de madame metido a ser vira-lata. Se não foi atropelado, deu sorte! Para as profissionais do sexo, uma vida bandida. Todas bandidas, imaginava. Tão bandidas quanto acabadas. Só podia. O valor era muito baixo para o prazer que afirmavam proporcionar. Imaginava-as pelancudas e fedidas. Ou quase esqueléticas e fedidas. Não sabia porquê, mas o sexo por mixaria não lhe cheirava muito bem. Seria preconceito? Perguntou-se, mas não se deu ao trabalho de responder. Pulava para o outro cartaz. O que falava sobre peso era com certeza de um ex-gordo. Absoluta certeza. Um ex-gordo que ajudava gordos e gordas a ficarem magros e com isso ele ficava rico. Era um bom empreendimento, ainda mais com essa neura de magreza.A cigana que via o futuro? De fato era uma cigana! Um luxo! Abaixo do “Vejo o futuro” tinha “Amarro o amor”. Mandigas de amor existem desde que o mundo é mundo. E essa coisa esotérica é curiosa. Tão curiosa quanto perigosa. Mexer com o lado de lá pode não ser tão vantajoso. Sem nunca ter visto a tal da mulher que jogava búzios e tarô, apostava que era uma charlatona. Algo lhe dizia que era uma tiazona - bonita até - que não tinha amarrado o grande amor de sua vida e que, de verdade, não amarrava nada. Nadinha. Quanta bobagem!, disse a si mesma depois de ser interrompida pelo barulho do ônibus. Despedia-se do poste e dos pensamentos que o mesmo a acometia quando subia os degraus do transporte coletivo. Sentada no banco, durante o percurso, rezava para o menino desaparecido.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O dedo do pé de Amanda

Deixou Amadeu por causa do nome. Amadeu é feio né? E juntos, Amanda e Amadeu, pareciam dupla sertaneja. Não gostou. Mudou de estilo, namorou Maykon Diéquison. Não o deixou pelo nome, mas porque tinha uma mãe que era macumbeira. Diziam que a ex-sogra acendia velas e oferecia comida aos espíritos. Achou estranho, e como acredita que essa coisa de espiritualidade é herança, não quis deixá-la para seus filhos – mesmo sem nunca ter pensado em tê-los com Maykon. Em seguida, apaixonou-se por Bem. Bem que era bem até no nome. Deu para suspirar sozinha. Quase que vingou com Bem, se ele não tivesse o irritante costume de não levantar a tampa do vaso sanitário. Aturou por pouco tempo esse descaso. Partiu. E durante a partida conheceu Vinícius. Mas, assim que chegou mais perto e notou que sua sobrancelha parecia uma taturana perto da dele, desistiu de súbito. Assim como desistiu de Leo, porque só falava de sexo, e de Francisco, porque só falava de amor. O problema do Rafael foi o gesto repetitivo que fazia enquanto comia. No começo até achava graça, mas a graça acabou. Gamou em Frederico, aceitou o chulé dele. Numa manhã de primavera, antes que completassem três verões juntos, Frederico foi incisivo: Amanda, não suporto mais viver com você. O tamanho do seu dedo do pé, o do lado do dedão, é insuportavelmente desproporcional. Amanda chorou.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Ele só queria filme, pipoca e coca-cola

Imediatamente colocou a mão na testa e engoliu seca a saliva que desceu enroscada. Infiltrou-se em rodas de desconhecidos na tentativa de fugir de quem entrava pela porta. Roubou copos plásticos gigantescos da mão alheia e tomou goles sem saber o que bebia. Virou de costas toda hora que achava conveniente, para o lado esquerdo quando achava que estava perto demais, para o direito quando não tinha alternativa. Evitava a frente. A situação o deixou tenso, sem aproveitar a música que tocava, a bebida oferecida e os amigos que riam. Um dos desvios não deu certo. Flagrante. Coçou o olho, esticou os braços. Estava em casa e era só sonho, não teve que se esconder. Ao se ajeitar na cama para mergulhar em sono novamente notou um corpo a mais. Houve a fuga. Só não deu certo.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O cappuccino refletindo a vida

A gente tomando cappuccino e falando sobre como é bom comer no inverno. Eu, tão preocupada com o chantilly que eu devorava - e com tantas outras mesmices –, só fui me atentar para o anel que ele usava naquele instante. Quiçá por causa do movimento. Da mão na asa da xícara. Da mão misturando o chantily ao líquido com a colher. Talvez. Aí olhei para aqueles olhos azuis cor de céu de dia bonito e enxerguei lá dentro a saudade que o devora. E tantos outros sentimentos que ainda não o permitem retirar a aliança. Uma forma de fazê-la presente. Uma forma de se manter, de alguma maneira, conectado àquela que era seu par na vida. Também tem o dedo enrugado que não conseguiria mais ser um dedo enrugado se não usasse o apetrecho. E aquele filete dourado, o apetrecho, não poderia ser aquilo que é se não fosse o dedo enrugado. Mutação! Ou, simplesmente, por costume? Não, por costume não. Porque aqueles olhos azuis cor de céu de dia bonito sempre souberam aquilo que queriam e o como o queriam. Eles são sábios e demasiadamente dengosos. Olhos dengosos demais. Por ela, eles topariam não ver mais cores e nem formas ou - como li agora pouco - plantariam bananeiras para o resto da vida. Vida que só era vida porque ela estava nela. Agora é só um cappuccino: uma alegria momentânea. Acaba o cappuccino, passa a gula. Passa a alegria.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Sabido

A repórter da TV diz que a Festa do Carneiro no Buraco começou hoje em Campo Mourão. Ele me mira.
- Tia, era hoje que você ia me leva no Carneiro?
- Não! No fim de semana...
- Ah tá.
Então, a mãe dele questiona.
- Mas você sabe o que é o Carneiro?
- Xei sim. Ovelha ué!

domingo, 3 de julho de 2011

O chá quente na Rua da Dúvida com a Avenida da Instabilidade, na esquina da Intensidade

Foi na Rua da Dúvida com a Avenida da Instabilidade que ela resolveu morar. Fez a mudança há pouco tempo, depois de certa maturidade e independência. Não sentiu de partir da casa de onde tinha nascido e crescido, já que o caminho que trilhava acabava sempre no cruzamento entre a Dúvida e a Instabilidade, na esquina da Intensidade. Era seu destino aquelas ruas, aquela esquina. Quem não gostou muito da mudança foi sua mãe, que vislumbrava um futuro diferente para a filha. Algo não tão oblíquo como a menina escolheu. Menina que nem era mais menina. Mulher, a quem a mãe lançava olhares confusos, como quem tenta compreender aquelas escolhas, aqueles passos descompassados. Ela, a filha, fingia naturalidade. Não queria discutir com a mãe essas coisas de escolhas. A gente é aquilo que escolhemos, era o que repetia sempre. E ela tinha escolhido aquelas ruas, aquela esquina. No dia da mudança, enquanto desconhecidos montavam seus móveis comprados em lojas de usados, por opção, ela organizava as caixas que continham um tanto de sua vida. A minha vida dentro de caixas, pensava. Foi numa caixa de sapato fora de moda que ela se encontrou. Entre fotos antigas, cartas recebidas, cartões não enviados e objetos não identificados, o cheiro do passado bem vivido. A foto do primeiro namorado, ainda na adolescência, fez com que ela recordasse da primeira vez que jurou amar de verdade. Riu sozinha apalpando aquelas fotografias. Diferentemente das amigas que perderam a virgindade com um cara na faculdade, ela tinha ido para a cama antes. Com o namoradinho da cidade onde morava. A primeira vez dos dois. Uma primeira vez amontoada, estranha. Gozada – nos dois sentidos! Gargalhou e passou para as cartas recebidas. Tinha carta com inúmeros remetentes. De amores mal resolvidos às amizades vencidas. Cada briga besta! Nomes que quase nem lembrava. Tinha gente que não sabia por qual motivo tinha sido tão próxima. E outras que não compreendia a distância estabelecida. Deu saudade. Releu os cartões não enviados. Ufa! Ainda bem que não enviou. Aproveitou e se desfez dos cartões. Um deles reaproveitou. Com precisão transformou o O em A e assim por diante. Não parecia que tinha escrito por cima, por isso daria a um amigo. O cartão agora combinava com ele, não a quem um dia se destinou. Os objetos não identificados perturbaram sua mente. Por que ela guardou um brinco sem par que nunca foi seu? Uma caneta feia e sem tinta, um chaveiro estragado, um isqueiro com cara de que custou caro mas não pagou, um porta-retrato quebrado, um santo sem cabeça, uma xícara sem asa, um MP3 ultrapassado? Preferiu continuar arquivando tais objetos, mesmo uns sem lembranças. Ao passar para a próxima caixa é que notou a chegada da noite e a solidão no novo endereço. Os desconhecidos já tinham montado os móveis e ido embora. Sobrou ela. Com seus pertences. Olhou lentamente ao redor, mirando cada detalhe daquele apartamento de um cômodo só. Sentiu orgulho de si. O imóvel era alugado, mas ela tinha bons amigos, uma profissão e um amor para chamar de seu que a visitaria no fim de semana, quando ele retornasse da viagem que fez a trabalho. Prometeu a ela um cachecol. E ela aguardava ansiosamente o cachecol e os beijos que viriam juntos. Ligou para a mãe, chamou-a para um chá quente. Era o que podia oferecer no meio daquela bagunça. Decidiu que durante o chá explicaria suas escolhas. Antes foi conferir se havia gás suficiente para a fervura da água.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Para não dizer que eu não lembrei de nada

Fez um mês. Eu sabia que para mim a data passaria batida. Sou péssima com datas, sempre fui. Sou do tipo que não lembra de aniversários, principalmente os de namoro, primeiro beijo e afins (tenho uma amiga que é um calendário ambulante, lembra do dia certinho e se duvidar até da hora). Tomo cuidado para não esquecer dos aniversários aqui de casa. Dos amigos mais queridos e antigos, eu ainda não decorei. E tem os aniversários que eu insisto em trocar. Eu ligo um dia antes ou um dia depois. Nunca no dia exato. Entretanto, esse esquecimento não quer dizer que eu me importe menos. É simplesmente que eu sou desajeitada, dispersa, embaralhada com datas. Por isso, justifico-me. Peço desculpas, porque sei que você era infalível com datas e que se importava bastante com elas, embora nos últimos tempos andasse que nem eu. Perdida no tempo. Gostaria que soubesse que, apesar de não me lembrar que se passaram 30 dias, eu não me esqueci de cada detalhe do dia em que você foi embora para nunca mais voltar. É que eu prefiro lembrar do dia anterior, do qual eu também não faço ideia de que dia foi. Eu sei que foi um domingo e isso basta para que eu me recorde de você em todos os domingos. Também é nos domingos que eu reflito. Mas sempre foi assim. Domingos, para mim, são reflexivos. Dia de por a cabeça no lugar. De tentar entender a alma, de acariciar o coração na tentativa de compreendê-lo. Como foi meu último dia com você, agora o dia do descanso também é dia de nostalgia. Eu fico horas pensando na gente. Eu fotografei aquele domingo. Milimetricamente. É uma sequência de fotos bonita. E que de tão bonitas a minha retina as transformam em quadros com moldura. Pinturas que se espalham pela casa, desde o quarto até o quintal. Lugares onde eu e você estivemos pela última vez. Um mês né? Eu provavelmente não vou lembrar do segundo, do terceiro mês. Um ano? Não vou me lembrar! E isso não significa nada. Nadinha. Pois você é permanente em mim. Sempre foi. E essa coisa de distância é relativa. Sempre foi.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Das minhas ignorâncias

Minha avó passou mais tempo com o meu vô do que com ela mesma. O meu avô também. Eram uma boa dupla. Eles fizeram bodas de ouro, o orgulho da família! A vó morreu com saudade do vô, que não teve tempo de se despedir. Três meses separados. Três meses que pareciam mais que anos, era o que a minha avó garantia e repetia sem parar (eu achava exagero, confesso). Meu avô sente saudade, não tem mais vontade de tirar o pijama. E o azul dos olhos dele parece mar de tanto que chora. Dói no vô não ter mais a mulher com quem ele viveu a maior parte de sua vida. E deve ser ruim mesmo acordar com o outro lado da cama vazio, sem o cheiro de quem se ama. Minha mãe conheceu meu pai aos 13 anos, ela conta ainda com um riso maroto como foi. Na rua, na cidade onde ambos passavam as férias. Os primos dela eram vizinhos dos primos dele. Ele tinha 16 anos. Desde então, passaram a se encontrar em todas as férias de dezembro (Ah, o verão!). O acaso fez com que se encontrassem mais tarde na capital. Antes disso, meu pai namorou uma prima da minha mãe e várias outras gurias. Minha mãe garante que, mesmo assim, sempre gostou dele. Meu pai foi o primeiro e único amor da minha mãe. E meu pai baba na minha mãe, mesmo depois de 27 anos de casados e uma enxurrada de problemas. Mesmo que haja mais de três mil quilômetros de distância entre eles. Quando meu avô desanima e minha mãe estremece, eu até tento consolá-los. Mas existe um abismo entre mim e eles. Eu sou analfabeta no amor.

E “só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e de entender estrelas”.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Merchandising

Foi assim...

- Paula! Eu preciso (o querer vem antes, daí depois eu preciso! E invoco com aquilo que preciso) escrever um livro. Topa?

- Bora.

Resultado: Um Olhar Sobre a Aids. Com a Ana junto. E histórias para nunca nos esquecermos. Como a da Dalva ou da cadela da vizinha. Mas as melhores mesmo estão no livro.




Lançamento

04.08.11

20h

Biblioteca Municipal Professor Egydio Martello, Campo Mourão (PR).

terça-feira, 14 de junho de 2011

O encontro

As pessoas são assim. A gente é assim! De ficar procurando se trombar a cada esquina. De querer compartilhar a vida com alguém, que não vale ser qualquer alguém. Daí a gente seleciona, uns são classificados inerente à nossa vontade. Dá gosto. De outros a gente se acostuma e de se acostumar acaba dando gosto. Depois, no fim, é tudo desgosto. Porque é difícil dar liga, aquele encaixe. De boca, corpo, sentimento. Vontade. A vontade tem de ser mútua. Mútua?!!! Então, a gente se magoa, cansa de ficar batendo a cabeça e apertando o coração. Daí passamos a concordar que têm os que possuem sorte. Que à primeira vista já sentem tudo. E depois continuam sentido à segunda vista, terceira, quarta...milésima vista. E a gente? Fica com o olhar minguado na expectativa do à primeira vista.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Quero te dar a mão

E se eu disser que sinto falta? Você me olharia com total desaprovação, balançaria a cabeça, colocaria a mão no queixo. Ficaria um tempo sem me olhar. Depois de uns cinco segundos, você se voltaria para mim. Diria que não me compreende, que eu nunca tive certeza de nada. Que só você que sempre soube o que realmente queria. Então, antes que eu começasse a discorrer sobre as minhas dúvidas, desculpando-me pela minha instabilidade sentimental, você me tomaria em seus braços. Ficaríamos por um tempo assim, daquele jeito e de outro jeito. Até o dia em que eu, por insegurança, pedisse distância novamente. Contudo, eu sentiria sua falta mais uma vez e desejaria intensamente a sua intimidade. E você...Ah você! Como quem compreende o incompreensível, estenderia a mão, mostrando-me que somos o que somos. Um pouco de nada. Um tanto de tudo.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Nó.

Seus olhos vermelhos fazem o meu transbordar

Uma vez transbordados, difícil cessar

E o abraço apertado de quem quer consolar nada pode diante da dor de amar

De amar quem se foi para nunca mais voltar

quarta-feira, 1 de junho de 2011

O seu é outra

Eu cortei o cabelo, fiz aniversário, troquei de emprego. Eu corri, parei de correr. Fui e voltei para muitos lugares, para muitas pessoas. Eu senti você nos outros até não sentir mais você, só os outros. Se tudo mudou, por que as cores não mudariam? Daí chega você, oferecendo o mesmo de antes sem ser como antes. Detesto esperar, quase nunca espero. E um atraso assim, de mais de meses, não se passa despercebido. A gente corre esse risco, sempre. De ser agora, mais tarde ou nunca mais. Meu ritmo é outro. O seu é outra.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Dengo.

- Tia, não vai dexa vez não, fica aqui. Ficaaaaa...

E ele abraça as minhas pernas e vai se pendurando até que eu o pego no colo. No colo, ele coloca a bochecha dele do lado da minha. Bochecha com bochecha, enquanto uma de suas mãozinhas enrola uma mecha de cabelo meu. Daí ele para. Olha-me e me enche de beijos, um em seguida do outro. Ele sente saudade, tanto quanto eu. E isso me faz um bem, um bem que ninguém me faz.

domingo, 22 de maio de 2011

Da ingratidão do tempo

Essa coisa de fazer anos a cada 365 dias sempre me incomodou. E nem é por causa dos números a mais na idade. É que aniversários sempre me lembram que fiz pouco ou quase nada do que eu pretendia ou pretendo. Então, um medo de não fazer tudo aquilo que gostaria me consome. Um medo que nada tem a ver com o envelhecimento. Sabe, até acho bacana isso, de se ter mais experiência, de se ter mais narrativas em primeira pessoa. Enredos e personagens variados entrelaçados pela protagonista: Eu! Viu? Eu não tenho medo de ficar velha, de ser chamada de vozinha. Mas quando eu deitei ao seu lado a fim de apenas observá-la, apavorei-me. E nem foi pela nitidez de suas rugas expostas pelo sol que entrava pela fresta da janela. Foi porque eu me dei conta de que envelhecer pode não ser tão bom. Acho que é também porque nunca a imaginei assim. Irreconhecível! Sua transformação me assusta. As palavras viril e perspicaz que andavam coladas em você deram espaço para vocábulos poucos atraentes. A senhora agora carrega a fragilidade. Já não tem precisão de nada. De você, que eu conhecia, ficou pouco. Restou-lhe a teimosia (como pode ser tão birrenta?) e um tanto de vaidade. Os poucos cabelos que sobraram são brancos. Você se irrita com os cabelos brancos. Por isso os escondeu por tanto tempo e os esconderia de novo, caso pudesse. E mais irritada você fica com a tremedeira de uma de suas mãos ao levar o copo de água até a boca. Eu também me irritaria, confesso. E eu me irrito também por você, porque eu me lembro de suas mãos a obedecendo. Foi através delas que a gente se comunicou. A gente trocou cartas dos meus doze anos até o meu último ano da faculdade. Não sei o porquê que a gente parou com as cartas...Eu guardo todas! E quando sua memória falha, eu conto as histórias que a senhora me contava. A que eu mais gostava - e gosto - é aquela em que você mordia a perna do meu irmão, que tinha um aninho ou talvez um pouco mais. Mordeu porque ele vivia me mordendo, aos dois anos ou um pouco mais eu tinha as pernas cheias de mordidas. Quando você o avistou me mordendo, correu e mordeu ele também. Que nunca mais me mordeu! Tá, eu achava a história bizarra. Hoje eu acho graça. Acho que o gesto combina demais com você. Geniosa. Enquanto a fito do meu lado, em sono profundo, eu fico pensando nisso. Em você que agora olha para o infinito, que está tão fraquinha. Admito que fico do seu lado na esperança de que aconteça um encontro entre a gente de novo. Entre mim e você, entre você e o mundo. Entre você e você mesma. É tenebroso saber que a vida é feita desses encontros, desencontros e reencontros. É apavorante constatar que o tempo é voraz demais. O que o tempo não havia feito com a senhora em quase 70 anos fez agora. Em menos de seis meses. O tempo nem sempre dá tempo para a gente.

sábado, 14 de maio de 2011

Sem disfarces e de verdade

Poderia dar a lua, caso ela desejasse. Contudo, o que ele queria mesmo era lhe dar mesmices. Para que ela ficasse farta de amor, carícias e cafés da manhã na cama. Mais, queria tristeza na vida dela, porque tristeza, dizia ele ao pé do ouvido dela, é fundamental. E ele preferia assim com ela, ao natural. Real. Quiçá fosse por isso que ela não compreendia tamanho apreço. Não quis ser dele para sempre. Quando ele expressou a vontade de lhe dar um anel dourado, ela falou em príncipe, em alma gêmea. Coisas que ela não acreditava que ele fosse. O coração dele partiu. Até pensou em recorrer à lua, roubando-a das estrelas, só para entregar à ela. Num suspiro pausado e mais profundo aceitou o não-casamento. Ele preferia assim com ela, ao natural. Real. Sem disfarces e de verdade.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Escondidinho

Eu sinto saudade. Saudade do que ainda nem somos e quiçá jamais seremos. A minha viagem é você. Uma viagem sem estrada ou caminho. Prazerosa. Uma viagem desatino. Que me arrancou da inércia, deu-me movimento. Meus sentimentos dançam incessantemente no silêncio. Dei para ouvir música e sentir ritmo na ausência profunda de sons. E poucos atingem tal percepção! Você mexeu comigo. Você, meu devaneio preferido. De me deixar estarrecida. Úmida. Agitou-me, assim, sem mais nem menos. À segunda vista. Ainda não sei bem no que reparei. Só sei que flutuei.Um capricho repentino que achei que logo logo cessaria. Não cessou. Se eu lhe confessasse tal vontade, atestar-me-ia loucura, eu sei. Eu finjo. Finjo que não sei. Mantenho-o escondidinho, dentro de mim.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

As chaves


A letra L, o símbolo do Pouca Vogal e um coração deformado pelo tempo ainda acompanham as chaves que me restaram. Duas, só. O chaveiro era mais pesado, até ontem. Tinha a chave para a porta da frente, a chave para porta de vidro, a chave para a outra porta de vidro, a chave para a porta da minha sala e ainda as duas chaves, pequenininhas, do meu armário. Eu senti de ter saído, mas só senti mesmo quando notei meu chaveiro sem graça. Sem as chaves que me abriram tantas portas.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Epílogo

Eu poderia passar todos os dias como o de hoje. Brincaria de vivo e morto, correria atrás de todos a fazer cócegas, apostaria corridas. Eu ganharia umas e perderia outras, para ver, de novo, o sorriso daqueles que me ultrapassaram. Eu poderia ter uma vida inteira assim, no parque. Com o meu sobrinho e um monte de amiguinhos, amizades feitas na hora. De súbito. Eu poderia passar todos os dias como o de hoje. Acreditando que a vida é só: correr, brincar, gargalhar, sorrir, cansar. Para começar tudo outra vez. Correr, brincar, gargalhar, sorrir, cansar.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

As feias que me desculpem...

Mas as bonitas - ou não tão desprivilegiadas assim, como queiram - também sofrem. Porque beleza, antes de por mesa, senta no sofá! Como assim, você trabalha lá? Nossa! Como você conseguiu? Espantam-se aqueles que só vêem a casca. Bonitinha, concluem. Se está ali é porque passou pelo teste do sofá, quiçá até pela cama. Pior mesmo é na entrevista, quando já se insinuam à mulher bonita, apresentando uma súmula dos assédios que virão depois de empregada. Mulher feia não tem isso. Se é feia, a mulher conquista o emprego por um fator simples e intrínseco à mesma: competência. Predicativo que é negado àquelas que, à primeira vista, fazem bem aos olhos. Não parece, mas mulher bonita sofre! Mais do que a feia, que tem alternativas para se fazer mais bem apessoada: uma maquiagem, uma roupa elegante (ou sensual), um salto (ou um sapatinho boneca fofo) e um cabelo bem penteado bastam para que as desprovidas de beleza conquistem seus lugares no pódio. Já às bonitas...O caminho, embora visualmente mais charmoso, é expressivamente tortuoso. A premissa do rosto bonitinho ou do corpo bem desenhado acaba com qualquer outra opção de elogio, de competências atribuídas às moças bonitas. Afinal, moça bonita é bonita. E ponto. É difícil convencer as feias de que mulher bonita não tem namorado, de que mulher bonita pensa! Mais oblíquo ainda é atestar às feias de que as belas não querem marido rico, família de comercial de margarina ou vestido de grife. Tem mulher bonita que detesta que mexam com ela na rua. As feias se assustam, pois muitas almejavam por esse dia. Talvez porque desconheçam o constrangimento de tal ato. Afinal, feia, normalmente, é coitadinha. Moça bonita jamais é coitadinha. Combina mais com soberba. Mesmo quando se está no fundo do poço.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A noite perfeita

Despiu-se. Antes de se vestir novamente tomou uma taça de vinho. Duas, três. Já vestida e ninguém apareceu. Para se distrair ligou a TV, o computador. Deixou que a música tocasse em tom elevado. Sentava-se e se levantava numa frequencia frenética. Ia até a janela, observava o movimento da rua na tentativa de encontrar um automóvel conhecido. Não achava nada, só pessoas indo e vindo pela calçada e uma pilha de carros estranhos. Voltou-se para dentro. Foi olhar-se no espelho, arrumou o cabelo, retocou a maquiagem. Simultaneamente, ela mirava o celular, que não tocava e nem vibrava. Retornou ao computador e no mundo virtual também não tinha nada. Resolveu que iria só esperar, mesmo detestando a espera. Esperou até que, no sofá, pegou no sono. Acordou na madrugada, com a TV sem sinal, o computador em estado de espera e o corpo dolorido. Espreguiçou-se, antes que notasse que a noite não seria perfeita. Só queria ter alguém ao lado, para dizer baixinho o nome dela.

sábado, 16 de abril de 2011

Eu cheguei do show entusiasmadíssima, porque o Duca tinha sorrido para mim. Mostrei o vídeo para todo mundo aqui de casa e para os amigos que vieram. Afinal, eu o tinha visto ao vivo, depois de anos escutando suas músicas, muitas das quais parecem que foram feitas para mim. É assim desde a primeira vez que o escutei. Identifiquei-me de imediato com o trabalho dele. Eu gosto da voz, do ritmo, dos versos. E eu me empolgo quando falo sobre ele. Eu me casaria com ele. Repito isso numa frequência significativa. Eu li o livro dele também. Ele é bom na prosa! Sim, eu sou tiete. Tenho-o pertinho de mim, no porta-retrato ao lado do meu computador. No porta-retrato ele não sorri para mim, mas no vídeo sim. O riso é quase no final da gravação, é quando ele olha para a direção da câmera, balança a cabeça, canta e abre um sorrisinho. É lindo, para mim. Minha mãe já me desiludiu, disse, na primeira vez em que mostrei o vídeo à ela, que é provável que o riso não seja especificadamente para mim. Tá, eu sei. Mas eu estava na terceira fileira do teatro, cantando e gritando o nome dele. E tinha os acenos que eu dava para que ele me notasse. Eu penso que posso achar que o Duca Leindecker sorriu para mim, mesmo que não o tenha feito. É coisa de fã. Por isso tudo então.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Unindo o útil ao agradável

Por favor, devolva meu cachecol.
As cores que eu enxergava.
O amor que lhe devotava e...
Os beijinhos que lhe dava.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

“Surplesa”

A vontade que eu tenho é de lhe congelar, para que não cresça. Para que permaneça eternamente ingênuo e com cheirinho de shampoo do Shrek. Você acalma minha alma quando me pega pela mão, puxando-me, de olhos fechados, até a tal surpresa que você afirma que tem para mim. Geralmente é um doce que você ganhou e quer repartir ou um mimo que lhe deram e você quer apenas mostrar. Mas antes é necessário fechar os olhos, que nem eu faço com você, que repete o meu gesto minuciosamente. Ainda antes de abrir os olhos tem o ‘tãtãtã’, que você profere igualmente ou, às vezes, “tlãtlãtlã”. Você gosta do L! Daí você grita: “Surplesa”, como quem apresenta uma grande descoberta ou a cura para todos os males. Entretanto, é apenas um doce, uma bala, chiclete ou chocolate. Pode ser um tênis novo, o trabalho que fez na escolinha ou um brinquedo. A surpresa definitivamente não importa. O essencial é você. De sorriso largo e uma alegria contagiante. Você que com toda sua doçura partilha de maneira única aquilo que lhe é importante.

domingo, 3 de abril de 2011

Um caso de amor bem resolvido

Quando a solidão assopra meu ouvido, convidando-me a ser a sua parceira, um arrepio súbito me toma e, inevitavelmente, eu lembro de você. Você, entre todos, você! Recordo do mundinho que construímos. Esquecíamos o lá fora, não ligávamos muito para as pessoas que estavam em torno. A gente se dizia casal para eternidade, havia um encaixe em todos os sentidos entre a gente que era inexplicável. Poucos acreditavam em nós, porque o nosso encaixe não era visível aos olhos alheios. Só entre mim e você. Um encaixe que não aguentou tanto tempo quanto esperávamos, devido à nossa expressiva diferença de enxergar o mundo. O bacana é que até no término a gente foi casal. A decisão foi de ambos e simultaneamente. Demasiadamente lógicos, acreditávamos que, mesmo que nos amassemos, o melhor era cada um por si. Na manhã seguinte, quando você saiu pela porta, eu soube que tinha ido para não voltar mais. Contudo, você voltou. E amor requentado não é tão bom, machucou. Despedimo-nos de vez. Não mantivemos contato. Até que você me ligou. É uma conversa quase que mecânica, você me conta o que está fazendo, eu também. Não flui. Então você lembra da gente. A ligação encerra. É breve, mas eu confesso que seus retornos me fazem bem. Eu vibro com cada palavra dita, porque mesmo depois de tanto tempo separados você não se esquece das pequenas singularidades que havia entre a gente. Você afirma que a minha vingança foi perfeita, mesmo sem eu ter pensado em uma. Vingança não é o termo adequado para o nosso desfecho. Simplesmente fomos especiais. Eu para você e você para mim, à nossa maneira. Somos um caso de amor bem resolvido.

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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Microconto de caminho torto

Jurava que alinharia seus pés, mas gostava mesmo era de seus tropeços.


Foto: Larissa Bortolli

terça-feira, 29 de março de 2011

Sobre a facilidade de se dispensar pessoas

Os adultos têm certa dificuldade de dizer não. Dispensar, para muitos, é uma tarefa árdua. Alguns preferem utilizar o recurso do eufemismo, na tentativa de amenizar o tão temido não. Poucos são os que vão direto ao ponto, sem desculpas ou “embromation”.
Enquanto os adultos se martirizam com a tarefa de se dispensar alguém, afinal, ser dispensado dói. Às vezes pouco, mas dói. As crianças nos dispensam com uma facilidade indescritível. Me dá um beijo? Não. Você gosta de mim? Não! Eu sou linda, não sou? Você é feia. Sinceridade ao extremo. Que sigamos o exemplo delas. Simples, para mim e você se fossemos desse jeito. Não é mesmo?

- Por que você não vai ao circo comigo?
Eu planejei durante a semana inteira...
- Porque não! Sorri, olhando-me.
- Humm, legal. Você vai com o Leo é?
- É. E continua sorrindo, com um arzinho de superioridade.
- Por que com o Leo e não comigo?
- Porque eu nunca fui no circo com o Leo, com você já né tia.

Óbvio, até demais. Sejamos óbvios também.

quinta-feira, 24 de março de 2011

De queixo caído

Ele tem três anos e meio, apenas! Às vezes penso que ele é um gênio. Mas, não, é a geração inteira assim: elétrica, com resposta para tudo e um conhecimento que eu não tinha, talvez, nem aos 8 anos. As crianças do século 21 realmente são peculiares. Até demais.
Meu sobrinho chega em casa e fica com “Mone” para cá, “Mone” para lá. Enquanto ele 'saracuteia' pelos quartos, cozinha e sala, repetindo o nome que ele havia aprendido na escolinha, eu o observo, com uma certa dúvida. O “Mone” que ele fala é o mesmo em qual eu estou pensando? Capaz! Isso aí só no Ensino Médio. Tsc tsc tsc. Ensino Médio na minha época.
No quarto, em cima da cama dele, várias pinturas do Monet. A professora deu para ele brincar de jogo da memória. Deve ter entregue para todas as crianças. Incrível (eu teria pensado na Turma da Mônica...)! Ele chega no quarto e esparrama todas as obras de Monet que estão impressas em papel sulfite e cortadas à mão. No momento em que embaralha as pinturas para iniciar a brincadeira, ele repete incessantemente o nome do artista. Faz bico, porque é francês, diz ele. E esse bico pronunciando “Mone” de Monet é que deixa todo mundo aqui babando, de queixo caído.

Oscar-Claude Monet (Paris, 14 de novembro de 1840 — Giverny, 5 de dezembro de 1926) foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.
O termo impressionismo surgiu devido a um dos primeiros quadros de Monet, "Impressão, nascer do sol", quando de uma crítica feita ao quadro pelo pintor e escritor Louis Leroy: "Impressão, nascer do Sol” – eu bem o sabia! Pensava eu, justamente, se estou impressionado é porque há lá uma impressão. E que liberdade, que suavidade de pincel! Um papel de parede é mais elaborado que esta cena marinha." . A expressão foi usada originalmente de forma pejorativa, mas Monet e seus colegas adotaram o título, sabendo da revolução que estavam iniciando na pintura.

sexta-feira, 18 de março de 2011

A minha primeira tatuagem

Os pais têm tatuagem, a tia tem tatuagem. Ele também quer uma tatuagem.
- Espera Enzo, você tem que ficar grande.
- Maaaas, você vai me leva né?
- Opa! Levo sim...

Dia seguinte.
Chega em casa chupando o chicletes, mas a atenção está totalmente focada no que vem junto com a goma de mascar.
- Ajudaaaaa, tila pra mim.
Três tentam o ajudar. Ninguém consegue. Antes de recorrer ao pai, ele mesmo tenta.
- Tá aqui ó. Olhaaaa a minha tatuagem!
Exibe-se. Com o cuspe, colou a tatuagem do chiclete no braço. Uma tribal preta com prata. Um luxo!

Na hora do banho...
- Nãooo mãaae, não ela pla lava o blaço.
- Como não?
- Eu quelo mostla pros meus amiguinhos.
Risos, a casa inteira escuta.
- Filho, hoje é sexta-feira, você não pode ficar sem lavar o braço até segunda!
- Aaaaaaa mãeee, por favo. Eu quelia mostla pros meus amiguinhos...

terça-feira, 15 de março de 2011

Pimenta nos olhos dos outros é refresco

Até o evangélico entrou na dança. O crente é chamado de cu quente, porque aos finais de semana se dá ao luxo de beber uma cervejinha e até dá um gole na cachaça.

O gordo se ofende. Estufa o peito e se diz indignado, não gosta de ser oprimido, de ser reduzido aos seus quilos a mais. É ruim quando vai na loja comprar roupa, argumenta. É difícil para passar na roleta do ônibus. Todo mundo olha, lamenta-se. A feia também está no time dos oprimidos, dos excluídos socialmente. Para ela, beleza não põe mesa. Insiste nisso, mesmo ciente de que para maioria põe. Daí fica sem mesa, tadinha. Culpa a mídia, os padrões de beleza divulgados. O aleijado, coitado. Até rima com o predicativo que carrega. Não gosta que tenham pena, assim como não gosta de mancar, de que o ajudem a subir escadas. Precisa provar a sua independência, para aqueles que o julgam coisa mínima. A lésbica também reclama. Diz que, se pudesse escolher, seria hetero, com certeza. Não é escolha! Defende-se. A moça virgem não quer mais ser chamada de Sandy. Está cansada de ser satirizada, quase que virou devassa, que nem a musa com a qual a comparam. Até o evangélico entrou na dança. O crente é chamado de cu quente, porque aos finais de semana se dá ao luxo de beber uma cervejinha e até dá um gole na cachaça.
O gordo tira sarro do cobrador de ônibus. O cobrador fala probrema, dois real! "Menas gente aqui hoje". Que burro! A feia não quer beijar o feio. Prefere gente mais apessoada, ajeitada, arrumada. Um galã desses de capa de revista, daquela que ela tanto critica, pode ser. O aleijado, por ser de família abastada, tem nojo de pobre. Carro popular, feijoada aos domingos, troco, nem pensar. Seu esquema é automóvel importado, comida francesa, gorjeta. Humilha o motorista que dirige sua BMW. A homossexual assumida caçoa da mulherzinha. Mulher que tem jeito de mulher a enjoa. Acha o cúmulo a voz fina, o salto alto, o batom vermelho. Se for necessário até empurra. É mulher macho, mesmo! A virgem, por opção, fala mal das amigas que decidiram abrir mão daquilo que ela acredita ser o símbolo maior do amor. Ingênua, ou nem tanto, difama as amigas para a mãe, o namorado e todos os demais amigos. Até inventa transas, beijos, festas e porres. As amigas são perdidas, salienta. O evangélico não acredita na conversão do vizinho, que era alcoólico e comia toda a mulherada. O crente acha que ‘pau que nasce torto nunca se endireita’. Quiçá, se o vizinho tivesse entrado para a igreja dele, daí a salvação do pecador estaria garantida.
O gordo, a feia, o aleijado, a lésbica e o evangélico não gostam de ser estigmatizados. Mas não se importam de estigmatizar.

sábado, 12 de março de 2011

Sorte

Comprometidos, até que a morte os separe, cuidam um do outro. Depois de conseguir fazê-la ficar em pé, firmar-se, beija sua testa delicadamente e pede um abraço daquela que, mesmo debilitada e com falhas na memória, é sua mulher para sempre. Em passos miúdos, com ele a apoiando, seguem até a sala. No sofá, permanecem de mãos dadas, selando um companheirismo infinito. As rugas e os cabelos brancos denunciam a sorte de ambos.

terça-feira, 8 de março de 2011

pessoas

Uma vez perguntaram qual era sua paixão. Sem titubear,disse: Sou apaixonada por pessoas! No início, acharam que ela se referia a pessoa no Pessoa, como disse um poeta. É. Gostava de Fernando Pessoa, mas gostava mais ainda de pessoas, substantivo comum e no plural. P-e-s-s-o-a-s. De gente de tudo quanto é tipo, gosto e cor de cabelo. Porque pessoas são extremamente cativantes. Porque as pessoas mexem com todos os sentidos, porque dá pra tocar pessoas, abraçar pessoas, beijar pessoas. Cheirar pessoas. Até comer pessoas. Como não gostar de pessoas? Daí se irrita com pessoas que não gostam de pessoas. Porque tem pessoa que é assim, não gosta daquela e daquela outra pessoa. Separam as pessoas por cor. Separam as pessoas em mulher, homem, homo, bi, trans. Separam pessoas por quantidade de grana. E tem aqueles que acham que certas pessoas nem são pessoas...Pra quê? Por quê? Se no fim todos são simples e puramente pessoas?

Um feliz dia das mulheres. Mulheres que são simples e puramente pessoas, todos os dias.

domingo, 6 de março de 2011

E um e dois e dois e três...

Sensibilizava-se com a dança, embora não soubesse dançar. Os corpos em ritmos ordenados a emocionavam tal qual poesia, filme, músicas. Ah, a dança! Tão sutil, tão envolvente. Sexy. Não sabia de qual ritmo gostava mais. O tango, a salsa, o forró ou a clássica valsa vienense? Ficava com todos. Apreciava todos. Seus olhos acompanhavam aquela fusão perfeita entre a melodia tocada e os corpos dançantes. Tal fusão deveria ser sacra, pensava. Homens e mulheres que bailam carregam consigo algo incomum, até sobrenatural arriscava imaginar. Desprovida de tal dom, punha-se a sonhar com o dia em que seu corpo arriscaria uns passos. Da janela de casa ainda podia ver o casal dançando do outro lado da rua, na varanda.


segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Você tem direito a um pedido...

Eu queria ter olhos menos apressados e abraços não tão pequenininhos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Tudo por Dolores *

João perdeu a empresa, teve que vendê-la para pagar as dívidas acumuladas quando se afastou da diretoria , de quando achou que curaria a infelicidade de Dolores com mimos, terapia e tempo disponível para ela, só ela.

João Carreira era um português que contrariava as piadinhas acerca dos lusitanos, ele era extremamente inteligente, desses homens que são bons de negócios, de multiplicar fortunas. Ele multiplicou a fortuna dele. Dono de uma empresa de ônibus, abriu mais 10 filias espalhadas pelo interior do Paraná, na década de 50.
Com a empresa crescendo e prosperando, João Carreira conquistou não só status, mas muita mordomia para a família dele, que agora tinha mais de duas empregadas para cuidar da casa grande e dois motoristas que levava ele, a mulher e os filhos para onde quisessem.
A casa grande era apenas um dos imóveis que tinham. Compraram apartamentos e construíram um condomínio modesto, desses de casas para classe C e D. João tinha lucros consideráveis com os aluguéis, mas também investia em ações, para garantir que o dinheiro não tivesse fim. Naquela época, poucas pessoas faziam cruzeiros e viajavam para a Europa. A família de João vivia em cruzeiros e quase morava no continente europeu. Era puro glamour. Os negócios iam bem. A mulher gostava da boa vida que tinha e os filhos cresciam com grandes oportunidades, com um futuro ilustre, garantia Carreira. Até Dolores aparecer.
Ah Dolores! Dolores era linda. João Carreira se apaixonou por ela no primeiro dia em que a avistou. Foi num baile da alta sociedade. Dolores vestia seu melhor vestido, que acentuava suas curvas delicadas de seu corpo mignon.
João quis aquele corpo. E Dolores, percebendo o interesse, esbanjou sensualidade e bom papo. Filha de um grande fazendeiro da cidade, Dolores era da turma da vanguarda. Tinha estudado na França, cursado artes cênicas e tentado uma vida no Rio de Janeiro, ela não combinava nadinha com aquela cidade interiorana, para onde seu pai a havia arrastado. E João achou a vida dela, o jeito dela, sobretudo ela, o máximo.
Largou a mulher, esqueceu dos filhos e foi morar num dos apartamentos que alugava com Dolores, que achava justa a decisão de Carreira, bolando planos para a vida a dois que levariam. O relacionamento durou cinco anos. João e Dolores se entediam muito bem, mas Dolores, de repente, sem motivos, achou que não era realmente feliz. Falou sobre isso com Carreira, que pagou terapeuta, que lhe deu joias e inúmeras viagens, que se afastou da empresa.
Dolores ficou com os apartamentos e com o condomínio de João. A ex-mulher e os filhos se mudaram da casa grande para uma bem pequena, viveram um tempo das ações que tinham comprado. João? João perdeu a empresa, teve que vendê-la para pagar as dívidas acumuladas quando se afastou da diretoria, de quando achou que curaria a infelicidade de Dolores com mimos, terapia e tempo disponível para ela, só ela.
Continuou na empresa como motorista. De dono das 10 - fora a sede - empresas de ônibus para motorista de uma das empresas. Hoje, com mais de 60 anos, ainda trabalha como motorista de ônibus da empresa que no passado foi dele. De vez em quando visita a ex-mulher e os filhos. Da Dolores não tem mais notícias, nunca mais a viu, desde que o abandonou, levando seus últimos bens. Mas, só de se lembrar dela ou pronunciar o nome, ele suspira. Faria tudo de novo por Dolores, afirma.

*História verídica. Achei João burro, extremamente burro. Gostei da Dolores, quis ser tão hipnotizante quanto ela, claro.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Anacoreta

É como se a solidão me tocasse e num arrepio único eu sentisse todo o frio que há aí fora, e aqui dentro também.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Da coragem de fazer seu próprio destino

Quer saber? Descobri que egoísta e individualista não são vocábulos que rimam verdadeiramente comigo. Não parece, vocês não vão notar, ninguém vai notar, mas os contornos que eu fiz não foram pensando em mim. Sou dona do meu nariz e o apontei para onde quis. Mas o caminho que tracei não é o que eu escolheria, caso pensasse só em mim. Dei-me conta disso somente agora, num momento em que eu abandonaria tudo para, novamente, seguir na vida dos outros. Na vida dos outros! De repente, senti-me muito mais envolvida e comprometida com os outros do que comigo mesma. Uma hora eu vou ter que decidir. Eu ou vocês? Difícil escolher, mas extremamente necessário para a minha realização pessoal. Nesse momento, sim, eu sou egoísta. Às vezes ser egoísta é preciso. Não é mesmo? Também acho que isso não é questão de ser egoísta ou não. É coragem! E eu estou ficando corajosa. Se eu resolver seguir o meu destino estarei logo ali, depois da curva.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Notícia ruim

Um silêncio absoluto e infinito invadiu a sala, depois do diagnóstico. Toda a família reunida e nenhuma palavra trocada. Ninguém se olhava. Disfarçavam a surpresa e a tristeza do laudo médico mirando a TV, fingindo que prestavam atenção no noticiário. Os movimentos eram limitados, mecânicos. Nem pai, mãe, filhos, netos e o marido tiveram coragem de expressar aquilo que sentiam. Medo. Com uma pitada ardida de impotência.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Uma prece não atendida

“Está de greve com o mundo?", eu perguntei, você riu e disse: “Você quer saber de tudo”. E riu de novo, como se eu fosse uma tola. Eu também me achei tola.

Eu fico sem saber o que fazer, sem saber por onde começar - se é que tem começo. Então, eu tento interagir na tentativa de resgatá-la de si mesma. É, eu acho que você está presa em si mesma. Mas ainda não sei se é porque quer ou porque não consegue se libertar. Não acho justo essa prisão. Você, quietinha e amuada. Murcha. Logo você que sempre foi tão expressiva, viva. Sinto falta de suas reclamações constantes e de seu mau humor instantâneo. A falta é tanta que numa tentativa desesperada eu me ponho a conversar com você, mesmo sem resposta, mesmo sem sua atenção. Eu falo bastante, faço-lhe mil perguntas, conto-lhe da minha vida, faço observações e comentários inoportunos. E continuo tagarelando até você dizer alguma coisa, rir. Nunca pensei que comemoraria por você formular uma frase de três ou quatro palavras. Quando isso acontece, de você pronunciar uma frase inteira, eu vibro! E me sinto vitoriosa por ter conseguido tal proeza. Porque agora isso se tornou proeza, não é mesmo? Falar, seu dom natural, agora é ato nobre, só para poucos, pouquíssimos e só de vez em quando, tá ficando raro. E eu me preocupo com isso. A preocupação é tamanha que me dá enjôo, dor de cabeça, ânsia. Porque eu quero entender o porquê, eu quero descobrir a causa, dar uma rasteira na medicina, que ainda não me diz o que você tem. Alguns dizem “é normal da idade” como palavras de consolo, mas não me consola. Jamais a imaginei assim, nesse estado inerte, praticamente estática. Eu já pensei em greve. Sim, em greve! Eu faço isso de vez em quando, fico de greve, sem falar, sem me dirigir a certas pessoas. Você poderia estar de greve comigo. Mas não está né? Não é só a mim que não responde, mas a todos que estão a sua volta. “Está de greve com o mundo?”, eu perguntei, você riu e disse: “Você quer saber de tudo”. E riu de novo, como se eu fosse uma tola. Eu também me achei tola. Daí eu perguntei se você estava feliz, foi quando seus olhos saltaram. E você continuou muda, calada. Eu insisti, perguntei o que sentia, se era tristeza. Então, você me deu uma resposta sabia: “A vida tem disso”. É...ninguém é feliz por 24 horas. “Felicidade eterna só nos comerciais de margarina, né?!!”. Você sorriu, fazendo carinho na minha mão. E eu corri. Corri para longe de você, para que não percebesse o quanto sou fraca. Chorei até meus olhos não aguentarem mais, até ficar com o rosto levemente deformado, inchado. É frustrante não tê-la por completo. Eu não desejei ver você desse modo. Em minhas preces sempre lhe pedi uma boa velhice. Não me atenderam. E, sinceramente, uma prece não atendida me deixa transtornada, totalmente perdida. Agora eu quero um milagre. Milagre, dizem, é mais difícil. Ai ai...

domingo, 13 de fevereiro de 2011

O que me faz sorrir?

O chinelo do meu sobrinho no meio da sala me faz sorrir. Eu sinto a presença dele mesmo sem vê-lo e é tão bom senti-lo assim. Vê-lo vestido de Batman ou arrancando a camisa para ser o Huck ou ficando só de cueca para ser o Tarzan me faz sorrir. Ele me faz sorrir! Minha mãe me faz sorrir, sempre fez e sempre vai fazer. Amigos, desses que eu colocaria num potinho, me fazem sorrir.Demasiadamente. Pessoas, de qualquer tipo, me fazem sorrir. Mesmo uma velha albina, de temer, me faz sorrir. Porque não é fácil achar a beleza escondida. E todo mundo tem seu charme! Não tem?
Caras estranhos me fazem sorrir, sobretudo os barbudos! Investidas de amores do passado me fazem sorrir também. Sensação gostosinha essa. A minha vida amorosa me faz sorrir. Na verdade, gargalhar. Tenho boas histórias, um dia, quem sabe, eu as publique em algum lugar. Arrancaria risos de muita gente, certeza. As minhas cantadas me fazem sorrir. Afinal, bancar a pedreira não é para qualquer uma, não é mesmo?
O Duca Leindecker me faz sorrir. Como não sorrir diante de um riso tão encantador? E ele riu para mim, tenho a prova! Estar escrevendo um livro me faz sorrir. Sorrir à toa, de um jeito diferente. É um sorriso natural, meio bobo até. Ficar sozinha, esticar a perna e saborear um livro que ganhei me faz sorrir. Para cada livro, um sorriso. Ah! As dedicatórias que me escrevem nos livros me fazem sorrir. São as melhores dedicatórias. Vinho me faz sorrir, não é por causa do efeito do álcool, é porque a bebida me leva para um tempo bom, de muito companheirismo e papos descontraídos.
As minhas viagens me fazem sorrir. Para cada canto que vou, um encontro. Sempre acho pessoas especiais, dessas que por uma semana fazem a diferença para toda a vida. O trajeto das viagens me faz sorrir. A estrada pode proporcionar momentos únicos, como a preocupação com uma amiga que “foi ao banheiro”; um mapa do destino rolando no asfalto; um pote de sorvete, que derreteu claro, comprado para comer no caminho; um esquenta animado antes de chegar à festa...Vários sorrisos. Músicas me fazem sorrir. A minha vida sem música seria cinza, as melodias me dão cores.
Ah! Ver cores me faz sorrir! Também cheiros e toques me fazem sorrir. E escrever sobre o que me faz sorrir, me faz sorrir. Porque tudo aquilo que é importante vem à tona, mexendo com os meus sentidos...Satisfação.


Obs: Os blogs que me fazem sorrir já ganharam o selo (vocês sabem o quanto me fazem sorrir!)...A Dayse me faz sorrir. Sorria, meu bem!


domingo, 6 de fevereiro de 2011

O mesmo caminho para um destino diferente

Foi andando. Há tempos não percorria o trajeto até a casa com as próprias pernas. Seguiu por suas ruas preferidas, pelas quais, por mais que tentasse desviar, acabava sempre passando, observando sempre as mesmas casas, as mesmas flores, as mesmas árvores, as mesmas pessoas. Meses sem andar por ali e nada tinha mudado. As mudanças demoram a acontecer, disse a si mesma em pensamento.
Às 18h e alguns minutos, o fusca vermelho estava parado em frente à escola pela qual passava. O carro sempre estava lá, sem ninguém ao volante ou no banco do passageiro. Era um automóvel bem cuidado, embora antigo. Só os bancos que não eram tão bons. Ao ultrapassar o fusca imóvel pela calçada lateral, podia espiar pelos vidros o ambiente interno. Os bancos ainda estavam cheios de furos, com a cor gasta e o volante também. O dono ainda não arrumou. Ou a dona. Nunca soube quem era o proprietário daquele carro, mesmo conhecendo seus defeitos. Defeitos antigos, de quando passava por aquela rua todos os dias, talvez de antes do atual dono do fusca tê-lo.
Após o fusca, avistaria uma velha varrendo a calçada. Ao inclinar seu corpo para dobrar a esquina, enxergou a velha. Ainda mais velha, ainda mais lenta. Tinha muitas folhas para varrer. E as varria todos os dias, naquela hora do dia. Olhou para cima, para a rede elétrica, e viu o par de All Star gasto junto do céu azul. Há meses o tênis estava lá. Talvez anos. Porque demorou para notar o calçado preso na rede elétrica, já que anda olhando para frente e para baixo, normalmente contando seus passos. Vez ou outra algo lhe chama a atenção, então olha para os lados ou ergue a cabeça.
Foi num dia quente que avistou o All Star, num dia de semana, desses que mesmo depois das 18h o sol ainda se faz presente, vivo, quente. Meninos e meninas daquela rua arremessavam pedras, galhos e afins para cima na tentativa de tirar o tênis do fio de energia. As crianças não conseguiram tirar o All Star de lá, constatou.
Seguindo reto, na descida, esbarraria com uma casa de um jardim cheio de rosas, das mais diversas, das mais belas. Era uma casa modesta, mas extremamente charmosa, com uma varanda que contorna a casa. A rede pendurada não era mais da cor de antes. Também notou que o senhor que lia na cadeira de balanço não estava por lá. Era a hora da leitura dele, ela sabia disso. Durante anos o viu devorando livros sobre aquela cadeira, que se encontrava vazia, naquela varanda, naquele horário. Ele deveria estar ali. O senhor combinava tanto com as rosas do jardim! Uma vez o viu conversando com as flores enquanto as regava. Antes de dar as costas para a casa, um moço embicou o carro no portão, impedindo que ela passasse. O moço podia ser o senhor da cadeira quando jovem. Talvez o velho tivesse morrido e o filho tomava conta da casa. Sentiu pelo senhor, mas ficou feliz pelas rosas, que continuavam belas.
Retomou os passos após o moço adentrar com o carro na garagem. Passou pela construção abandonada, pela igreja que nunca viu aberta. Pelo bar de onde sempre ecoavam gritos e risadas provocados pelo bingo. Bingoooo! O canto das cigarras ia ficando mais ameno à medida que caminhava. Sorriu para os vizinhos que chegavam e para aqueles que já proseavam reunidos na calçada. Desviou da bicicleta de uma das crianças. Pulou o buraco no qual por inúmeras vezes machucou o pé. Subiu o degrau que separava uma calçada da outra. Chegou em casa. Era sua última noite ali. Deixou um colchão para dar o adeus definitivo.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Flertando aos 26 anos

Ele: Na nossa idade não tem mais essa coisa de amor...A gente tem que começar a ver quem combina mais com a gente...
Ele a olha, esperando uma resposta. Ela fica por segundos sem responder, analisando o que foi dito. Pensa na idade, na idade de novo e de novo na idade. Sente-se nova ainda para viver um amor de verdade, mais uma vez.
Ela: É...pode ser.
Diz, concluindo que ambos não combinavam.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Todo dia é dia de saudade de lá

Quando o céu fica cinzento, eu me lembro de lá, porque o azul do céu de lá pode até ser o mais azul e mais lindo que eu vi, mas o cinza é predominante por aquelas áreas. De enjoar, de chorar. É bom que chova, mas não como chovia lá. Mesmo com um céu fechado, de tempo úmido e frio, congelante até, morro de saudade de lá. Saudade que dói o coração, que deixa a gente pequenininha, murcha, sozinha. Saudade que bate na alma, que faz a gente todo dia querer voltar no tempo para rever pessoas e lugares. Para reviver situações que, a gente sabe, jamais serão iguais, pois nos marcaram por ter acontecido lá. Às vezes acho que lá era o meu lugar certo e a minha hora certa. Eu sempre falo de lá, mesmo que não passe pela minha cabeça voltar para lá. Estranho não? Falar de lá sem querer retornar para lá?!!! Eu sinto falta. Uma falta demasiadamente forte, que quase vibra. Que deixa a gente com um friozinho na barriga e com o pensamento num horizonte sem fim, sem foco. Aérea. É uma saudade que bate por causa de um cheiro, de um gosto, de uma cor, de uma música. Saudade que arrepia por nomes pronunciados. Que arranca da gente suspiros e sorrisos involuntários. Saudade que a gente admite que sente e que por senti-la quer que passe. Mas ela volta, pois todo dia é dia de saudade de lá.

- Tô com saudade de Guarapuava, mãe!
- Você sente falta de lá né? Eu sei. E me dá um sorriso como quem diz que é normal, que vai passar.
- É. Eu acho que quando tiver velha vou ter que passar por lá só para sentir o vento frio, para respirar aquele ar gelado...
Minha mãe me olha, tentando entender o porquê de tanta saudade. Nem eu sei. Só sei que é assim!

domingo, 30 de janeiro de 2011

Teresinha

Deu-se conta do esquecimento só quando a lembraram. É, tinha esquecido. Era mais um daqueles casos que bate saudade mas não bate o coração. Quantos casos viveria até encontrar aquele que bate o coração mas não bate saudade?

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Carta à Cleycianne

Assunto: Jornalista Oca que fornicava com traficante carrega bíblia debaixo do braço

Olá irmã Cley, saudações em Cristo!
A sua palavra tem se expandido pelo Brasil afora. Aqui no PR, uma jornalista amante de um traficante, com quem fornicava, saiu da prisão esta semana. O caso dela ficou conhecido no mundo inteiro, contribuindo para com a imagem satânica que os estrangeiros fazem de nosso País.
Entretanto, Deus é mas, como você diz. Arrependida, agora a jornalista não é mais oca. Ungida, saiu da cadeia com bíblia na mão sem precisar de sua transformação em Cristo, sem necessitar do ungido programa photoshop! É o mel descendo do céu. O povo de Deus grita: Uoooooooba! Pura Unção!
Segue a foto para a verificação em Cristo.
Beijos.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Uma lenda urbana com nome, sobrenome e até RG

Lá estávamos nós, a fazer perguntas, a escutar as experiências de uma mulher de seus quase 50 anos. Até que ela, na maior naturalidade, mesmo que se mostrando indignada, diz que se separou do primeiro marido porque foi traída. Que triste, pensei. É complicado essas coisas de traição, não é mesmo?
Ela continua a história. Ele me traiu com uma cadela, com uma cadela, com uma cadela. Ela estava enfatizando demais o “cadela”, então mirei para a Paula e para a Ana que estavam concentradas no relato, como se não tivessem notado o destaque para o qual ela dava à palavra cadela. Quiçá elas repararam, porém acharam melhor não fazer comentários. Seria informação demais, como diz uma delas. Ou talvez não tenha dado tempo.
Resolvi perguntar, mesmo com medo de ser super bola fora, o que normalmente sou, se ela se referia a uma cadela. Tipo cadela de cachorra? (Tentando não parecer assustada, mas já com uma cara de espanto por prever a resposta). É, com a minha cadela, no nosso quintal! Minha boca foi se esticando, esticando até formar um semi-sorriso. No momento, minhas amigas se olhavam com as bocas abertas. Espantadas. Não aguentei. Meu meio-sorriso se transformou num sorriso completo. Dei risada. Muita risada, de quase perder o fôlego.
Eu peguei meu marido com a minha cadela, repetia a entrevistada. E eu, sem noção, não parava de rir. A verdade é que depois dessa revelação me segurei para não rir durante a entrevista inteira, que durou mais de duas horas. O assunto não era zoofilia, mas enfim, eu não conseguia parar de achar engraçado o fato de aquela mulher ser traída por uma cadela. Uma cadela??!!
Esse tipo de história, para mim, até o momento, era lenda urbana, desses causos que um conta para o outro e esse outro diz que escutou do fulano que afirmou não saber quem, onde, como. São relatos sempre distantes, sem nomes, sobrenomes, sem endereços. Ali tínhamos tudo, até o RG dos envolvidos. Menos da cadela, é claro.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Desabafo de nostalgia

Tá quente aqui e não tem forró...Dá melancolia.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Uma estrela de peso

Num apartamento pequeno, de três cômodos, e antigo, no qual a cor das escadas quase não se vê se não fosse as pequenas lascas de vermelho que sobraram em um degrau ou outro. De um corredor escuro que parece não ter para onde ir, de onde falta luz, mora Estrela D`Alva.
D`Alva tem uma virilidade que não combina com seu corpo magro, quase esquelético, e uma doçura ao acolher e falar que não rima nadinha com os caminhos tortos que escolheu seguir. Estrela D`Alva é peculiar. Poucos são aqueles que conseguem enxergar-lá como tal. Impregnada de um passado fosco – quase negro –, de uma vida sem luxos, seu brilho fica escondido, exposto somente para quem chega pertinho dela. Para quem tem tempo e disposição para ouvir sua história. E que história!
Ao olhar para ela que está parada na janela, mais à direita do que à esquerda, tragando seu cigarro, consigo vê-la ao fundo, no céu.Eu monto um quadro. Um quadro bonito, de um céu sem estrelas, porque não tinha estrelas, brotava ela com sua simplicidade (de jeans, regata, cabelos presos). De um céu azul escuro, quase negro, despontava uma única estrela: Naquele apartamento Estrela D`Alva nos irradiava com sua luz. Ela que é forte. Mulher em seu sentido mais amplo e pleno.
Perto dela tudo fica mesquinho, demasiadamente minúsculo. Até eu e você. Porque Estrela D`Alva carrega um peso nos dedos, nos braços, nos ombros, nos olhos, no coração, por opção. Por amor, é o que diz. Peso que eu e você juntas não suportaríamos.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Das oportunidades perdidas

Sabe, eu acho que a gente gosta é mesmo de dificultar. Que essa coisa de amor fica cada vez mais distante porque não aproveitamos as oportunidades. As oportunidades surgem, mas como elas não vêm com borboletas no estômago, a gente as deixa passar. Passa uma, duas, três, quatro. A gente perde até dez oportunidades. E de oportunidade em oportunidade, histórias de amor vão se esvaindo. Diminuindo, sumindo...indo.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Microconto de esperança

A maçã do rosto dela ficou vermelha quando ele a avistou. Olhou, mas não a enxergou. E ela, já apaixonada, sentiu vergonha daquele olhar sem mira. Mesmo assim, ajeitou seu vestido. Arrumou a postura a espera de uma chance.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O dia em que nasci

Nasci ao meio dia. Na hora do almoço. Mas minha mãe conta que a bolsa estava estourada desde às 5h da manhã. Foram mais de cinco horas me esperando. Minha mãe conta isso numa boa, se eu fosse ela enfatizaria a dor, o tempo que devia parecer estático. Mas não, ela afirma que quem se propõem a ter filhos deve estar preparada para eventualidades. E ela estava. Eu não queria sair da barriga dela e nem ela queria que eu saísse. Não tinha dilatação suficiente. O médico era contra cesárea, então deixou minha mãe sofrendo até a hora do almoço, quando resolveu rasga-lá, arrancado-me lá de dentro com um fórceps. Deve ter doído, não me lembro, mas deve. Para minha mãe deve ter sido pior! No momento em que eu vinha ao mundo, meu pai jogava futebol. Marcou alguns gols em minha homenagem, é o que diz. Eu fui a primeira filha do casal, nascida no dia 18 de janeiro de 1985, em Curitiba-PR.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Embrulho

Acordou com ânsia da cama onde estava. Cheirou o lençol, que cheirava bem. A ânsia era do quarto, mas o quarto também cheirava bem. Levantou e andou pela casa, deu ânsia da casa inteira. Embrulhou o estômago ao pensar na cidade que morava, nas pessoas com quem se encontrava. Deu azia da rotina. De repente, ficou enjoado da vida.
Com a cara amarrada, listou em pensamento aquilo que fez seu estômago ficar mal, causando-lhe aquele mal estar súbito. A lista nem ficou tão grande, mas era excessivamente tediosa. Como não percebeu esse tédio impregnado em seus pertences e afazeres antes? Frisou a testa procurando o início de tudo. De onde vinha essa monotonia que lhe provocava uma insatisfação aguda?
Não achou os indícios. Ficou bravo consigo mesmo. Pensou em quebrar tudo. Depois da demolição restam os entulhos. E se por ventura quisesse reaproveitar algum? Sucedeu-lhe uma ideia melhor. O abandono. Iria embora da sua própria vida para nunca mais voltar. Não carregaria móveis, roupas, trabalho, amigos ou família. Daria adeus ao passado chato em busca de um futuro mais variável. Queria correr riscos. Perigo. Antes de dar o fora, avisou-a da decisão. Sem entender nada, ela deu a mão a ele. Foram.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Ideologia II

Assunto: política e todos os seus Ps.
PT, PV, PSDB, PMDB, PSTU, PSOL, PL...
- Qual é o seu partido?
- O meu partido?
- É.
- O meu partido é um coração partido.
Drama, adoro um.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Greve

Ficou porque não tinha mais para onde fugir. Tentou escapar, mas pareceu-lhe dever beijá-lo, mesmo que não quisesse. Estava encurralada. Foi. Não gostou. A cada beijo um tormento. Desencaixe. Empenhava-se. Fechava os olhos enquanto seus lábios se desencontravam com o dele. Impedia que o beijo se prolongasse devido à falta de rima. Quis ir embora. O plano de fuga falhou. Queria levá-la para casa, mesmo ela insistindo que não. Fez o percurso como se estivesse amarrada ao banco do passageiro. Imóvel, estática, impotente. Pensou em abrir a porta e dizer que desceria ali, no meio do nada e com o carro em movimento. Seria muito grosseira, e ele, querendo ou não, estava sendo gentil. Gentileza gera gentileza. Bufou! Proclamou greve contra ele. Não o beijaria novamente. Na frente da casa, a tão temida despedida. Arquitetou inúmeras desculpas. Quando o rosto dele chegou ao centro do dela, ela desviou. Ele achou que fosse brincadeira e mirou novamente. Desviou mais uma vez. Ele a observou como quem não tinha entendido nada. Ela mordia os lábios para segurar a língua, pois as palavras coçavam para sair. Tinha costume de falar demais, inclusive aquilo que pensava. Por isso, em pensamento, torcia para que ele não perguntasse nada, que somente respondesse seu adeus. Ele perguntou. Ela respondeu. Disse que não havia encaixe, que podiam ser sinceros um com outro, pois era melhor que uma tentativa frustrada de um beijo sem sabor.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Descobrindo os sexos

Eu sei que ele quer falar alguma coisa, pois está me fitando há horas. Ele me olha e dá meio sorriso, me olha e dá meio sorriso. Até que cria coragem e pergunta.
- Tia, cadê seu pipi?
- Hã!?
- Seu pipi que nem o meu?
- Não tenho pipi.
- Mas que que voxê tem aí?
Que pergunta! O que eu respondo? O que eu respondo? Ele tem três anos, preciso de uma palavra amena...
- Uma periquita.
Uma periquita? Que ideia foi essa? Dou risada enquanto ele pronuncia a nova palavra.
- Periquita, perliquita, peliquita, periquita...Mas por que voxê não tem pipi?
- Ué, porque eu tenho uma periquita. Sou mulher.
- Mas como que é exa periquita...peliquita? É, é, é...igual pipi?
- Não. É diferente.
- Como tia, como? Me mostla.
- Ela não voa.
No momento em que dou risada da minha explicação ridícula, meu sobrinho sai pela casa gritando para todo mundo que a minha periquita não voa e pedindo explicações, pois ele quer saber por que a peliquita não voa. Do meu quarto escuto minha mãe.
- Larissa, o que você tava falando pro Enzo?
- Sobre os sexos, mãe. Sobre os sexos.

Em tempo, é melhor eu esclarecer a cena deste discurso. Não, ninguém estava nu. Eu estava no meu quarto escrevendo, no computador. Meu sobrinho me espiava da porta, meio que escondido nela. A cena é típica. Ele vem correndo até meu quarto e pergunta o que estou fazendo, se digo que estou trabalhando, ele fica quietinho, por um tempo breve, atrás da porta me olhando. Mas, dessa vez, ele nem me chamou. Ficou me fitando por uns 10 segundos, o que é muito tempo para uma criança ativa e inquieta como ele, e disparou a pergunta, seguida de outras questões...como descrevi acima.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Microconto de inveja

Fim de tarde. Foi correr. O sol, mesmo indo embora, fazia-se presente. Escaldante. O suor escorrendo pelo corpo, a respiração ofegante. Olhou para frente, para o lado, para trás. Homens, vários homens. Dor de cotovelo. Também queria tirar a camisa.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Quando se tem senso de humor...

Jornalista conceituada em Campo Mourão é presa por tráfico de drogas. Então, no MSN, uma chuva de pessoas, já que jornalistas são poucos na cidade. Todos me perguntando quem era a jornalista, onde trabalhava, como era a sua fisionomia. Antes que eu pudesse fornecer qualquer informação, o MSN piscava. As inúmeras pessoas que conversavam comigo já tinham o link do orkut e de um currículo on-line da profissional. Entre as diversas curiosidades virtuais acerca do caso, aparece um amigo.

- Larissa! Não é vc que tá presa por tráfico de drogas, né? A matéria de O Diário fala só "uma conceituada jornalista de C. Mourão"...
Demoro para responder.
- Larissa! Vou interpretar a falta de resposta como sendo "sim".
- kkkkkkkkkkkkkkkkk. Seu bobo.
- Vc tá ocupada com o quê? Interrogatório?
- Capaz, imagina eu amante de traficante? Se é pra ser amante que seja de alguém melhor né? Hahuahuaha. Fique tranquilo, não sou eu.
- Loucuras de amor! Pense na adrenalina.
Eis que ele lembra de quando fechou o bar aqui da cidade, também por causa de drogas.
- Viu, o dia que fechou o Corleone ela tava lá filmando...Eu sendo revistado e a bandida filmando!
E é verdade, ele foi revistado!

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Mulher com quase 30

Antes de qualquer coisa é melhor que você saiba: tenho quase 30 anos. Acho melhor esclarecer a faixa etária, porque minha voz calma e infantilizada faz parecer menos. Quando me encontrar, vai me dar uns 20 e poucos. Se eu estiver com um salto e maquiagem, vou parecer mais velha. Quiçá acerte a minha idade. É preciso que fique claro, estou muito mais perto dos 30 do que dos 20. Já não curto balada – sempre fui meio idosa para essas coisas – , muvuca e afins. Eu garanto que isso não quer dizer que eu seja tão chata ou que tudo será monótono. Minha imaginação é fértil e minhas vontades atípicas. Tenho ensino superior completo e a segunda faculdade pela metade. Sou tia, trabalho, cuido de mim mesma, da minha família e serei madrinha. Terei afilhado. Ser tia e madrinha indica que eu já tenho certa experiência, não acha? Poucas são tias e madrinhas aos 15. Não. Não quero ser mãe. É que acho fundamental isso, essa coisa de você saber que já tenho idade o suficiente para discernir o que é certo e errado, o que é bom ou ruim, de acordo com o que eu penso, sinto e quero. Adianto, tenho um rosto harmônico e um semblante que passa a impressão de que sou calma e sutil. É pegadinha. A harmonia da minha face não combina com os versos brancos que carrego dentro de mim. Nem com a minha falta de paciência e minhas neuroses constantes. Por vezes, sou intransigente. Por que eu estou falando tudo isso? Porque pedi você em 2011. Nas escuras, sem definir cor, credo, classe social. Você, apenas. Não lhe defini, porque não quero algo que seja conceituado, explicado. Tem que ser sem razão. Até sair faísca. Confesso, desejei você barbudo, porque barbas me seduzem. Também pedi que fosse avassalador. Não você, mas nós. Porque não importa o quanto dure, o essencial é que pareça que seja eterno e que juntos desejemos essa coisa infinita finita. Nosso encontro está marcado. Espero a sua ligação, a sua voz, a sua boca na minha boca. E isso só vai acontecer se você não se assustar e quiser uma mulher com quase 30.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Noite de ano novo

Uma noite quente. Roupa branca. Um pouco de amarelo, vermelho, rosa. Pessoas em volta da mesa aguardando a hora da ceia. Uma TV ligada imperceptível, som baixo, ninguém no sofá. Crianças correndo pela casa. Adultos confabulando, rindo, gesticulando. A rua vazia, mas barulhenta, de um som que ecoa de dentro das casas, dos quintais. Os sons se misturam e se encontram ali, no asfalto. É o burburinho de comemoração.
Várias espiadas no relógio. É quase meia noite. Enquanto o ponteiro do relógio parece demorar a girar, os fogos anunciam a virada. Olha para a TV, as imagens confirmam. É ano novo. Abraços, beijos, felicitações. Em cada um a expectativa de uma vida melhor. Adeus ao ano que se foi. Bem vindo o ano que chega, que seja, sobretudo, lépido. Entre os abraços, o brinde, as risadas e o barulho dos talheres daqueles que comiam, sentiu o cheiro do novo, de recomeço, exalando de si mesma e daqueles que a rodeavam. O cheiro saía da alma, não do calendário.
Feliz Ano Novo.