terça-feira, 29 de março de 2011

Sobre a facilidade de se dispensar pessoas

Os adultos têm certa dificuldade de dizer não. Dispensar, para muitos, é uma tarefa árdua. Alguns preferem utilizar o recurso do eufemismo, na tentativa de amenizar o tão temido não. Poucos são os que vão direto ao ponto, sem desculpas ou “embromation”.
Enquanto os adultos se martirizam com a tarefa de se dispensar alguém, afinal, ser dispensado dói. Às vezes pouco, mas dói. As crianças nos dispensam com uma facilidade indescritível. Me dá um beijo? Não. Você gosta de mim? Não! Eu sou linda, não sou? Você é feia. Sinceridade ao extremo. Que sigamos o exemplo delas. Simples, para mim e você se fossemos desse jeito. Não é mesmo?

- Por que você não vai ao circo comigo?
Eu planejei durante a semana inteira...
- Porque não! Sorri, olhando-me.
- Humm, legal. Você vai com o Leo é?
- É. E continua sorrindo, com um arzinho de superioridade.
- Por que com o Leo e não comigo?
- Porque eu nunca fui no circo com o Leo, com você já né tia.

Óbvio, até demais. Sejamos óbvios também.

quinta-feira, 24 de março de 2011

De queixo caído

Ele tem três anos e meio, apenas! Às vezes penso que ele é um gênio. Mas, não, é a geração inteira assim: elétrica, com resposta para tudo e um conhecimento que eu não tinha, talvez, nem aos 8 anos. As crianças do século 21 realmente são peculiares. Até demais.
Meu sobrinho chega em casa e fica com “Mone” para cá, “Mone” para lá. Enquanto ele 'saracuteia' pelos quartos, cozinha e sala, repetindo o nome que ele havia aprendido na escolinha, eu o observo, com uma certa dúvida. O “Mone” que ele fala é o mesmo em qual eu estou pensando? Capaz! Isso aí só no Ensino Médio. Tsc tsc tsc. Ensino Médio na minha época.
No quarto, em cima da cama dele, várias pinturas do Monet. A professora deu para ele brincar de jogo da memória. Deve ter entregue para todas as crianças. Incrível (eu teria pensado na Turma da Mônica...)! Ele chega no quarto e esparrama todas as obras de Monet que estão impressas em papel sulfite e cortadas à mão. No momento em que embaralha as pinturas para iniciar a brincadeira, ele repete incessantemente o nome do artista. Faz bico, porque é francês, diz ele. E esse bico pronunciando “Mone” de Monet é que deixa todo mundo aqui babando, de queixo caído.

Oscar-Claude Monet (Paris, 14 de novembro de 1840 — Giverny, 5 de dezembro de 1926) foi um pintor francês e o mais célebre entre os pintores impressionistas.
O termo impressionismo surgiu devido a um dos primeiros quadros de Monet, "Impressão, nascer do sol", quando de uma crítica feita ao quadro pelo pintor e escritor Louis Leroy: "Impressão, nascer do Sol” – eu bem o sabia! Pensava eu, justamente, se estou impressionado é porque há lá uma impressão. E que liberdade, que suavidade de pincel! Um papel de parede é mais elaborado que esta cena marinha." . A expressão foi usada originalmente de forma pejorativa, mas Monet e seus colegas adotaram o título, sabendo da revolução que estavam iniciando na pintura.

sexta-feira, 18 de março de 2011

A minha primeira tatuagem

Os pais têm tatuagem, a tia tem tatuagem. Ele também quer uma tatuagem.
- Espera Enzo, você tem que ficar grande.
- Maaaas, você vai me leva né?
- Opa! Levo sim...

Dia seguinte.
Chega em casa chupando o chicletes, mas a atenção está totalmente focada no que vem junto com a goma de mascar.
- Ajudaaaaa, tila pra mim.
Três tentam o ajudar. Ninguém consegue. Antes de recorrer ao pai, ele mesmo tenta.
- Tá aqui ó. Olhaaaa a minha tatuagem!
Exibe-se. Com o cuspe, colou a tatuagem do chiclete no braço. Uma tribal preta com prata. Um luxo!

Na hora do banho...
- Nãooo mãaae, não ela pla lava o blaço.
- Como não?
- Eu quelo mostla pros meus amiguinhos.
Risos, a casa inteira escuta.
- Filho, hoje é sexta-feira, você não pode ficar sem lavar o braço até segunda!
- Aaaaaaa mãeee, por favo. Eu quelia mostla pros meus amiguinhos...

terça-feira, 15 de março de 2011

Pimenta nos olhos dos outros é refresco

Até o evangélico entrou na dança. O crente é chamado de cu quente, porque aos finais de semana se dá ao luxo de beber uma cervejinha e até dá um gole na cachaça.

O gordo se ofende. Estufa o peito e se diz indignado, não gosta de ser oprimido, de ser reduzido aos seus quilos a mais. É ruim quando vai na loja comprar roupa, argumenta. É difícil para passar na roleta do ônibus. Todo mundo olha, lamenta-se. A feia também está no time dos oprimidos, dos excluídos socialmente. Para ela, beleza não põe mesa. Insiste nisso, mesmo ciente de que para maioria põe. Daí fica sem mesa, tadinha. Culpa a mídia, os padrões de beleza divulgados. O aleijado, coitado. Até rima com o predicativo que carrega. Não gosta que tenham pena, assim como não gosta de mancar, de que o ajudem a subir escadas. Precisa provar a sua independência, para aqueles que o julgam coisa mínima. A lésbica também reclama. Diz que, se pudesse escolher, seria hetero, com certeza. Não é escolha! Defende-se. A moça virgem não quer mais ser chamada de Sandy. Está cansada de ser satirizada, quase que virou devassa, que nem a musa com a qual a comparam. Até o evangélico entrou na dança. O crente é chamado de cu quente, porque aos finais de semana se dá ao luxo de beber uma cervejinha e até dá um gole na cachaça.
O gordo tira sarro do cobrador de ônibus. O cobrador fala probrema, dois real! "Menas gente aqui hoje". Que burro! A feia não quer beijar o feio. Prefere gente mais apessoada, ajeitada, arrumada. Um galã desses de capa de revista, daquela que ela tanto critica, pode ser. O aleijado, por ser de família abastada, tem nojo de pobre. Carro popular, feijoada aos domingos, troco, nem pensar. Seu esquema é automóvel importado, comida francesa, gorjeta. Humilha o motorista que dirige sua BMW. A homossexual assumida caçoa da mulherzinha. Mulher que tem jeito de mulher a enjoa. Acha o cúmulo a voz fina, o salto alto, o batom vermelho. Se for necessário até empurra. É mulher macho, mesmo! A virgem, por opção, fala mal das amigas que decidiram abrir mão daquilo que ela acredita ser o símbolo maior do amor. Ingênua, ou nem tanto, difama as amigas para a mãe, o namorado e todos os demais amigos. Até inventa transas, beijos, festas e porres. As amigas são perdidas, salienta. O evangélico não acredita na conversão do vizinho, que era alcoólico e comia toda a mulherada. O crente acha que ‘pau que nasce torto nunca se endireita’. Quiçá, se o vizinho tivesse entrado para a igreja dele, daí a salvação do pecador estaria garantida.
O gordo, a feia, o aleijado, a lésbica e o evangélico não gostam de ser estigmatizados. Mas não se importam de estigmatizar.

sábado, 12 de março de 2011

Sorte

Comprometidos, até que a morte os separe, cuidam um do outro. Depois de conseguir fazê-la ficar em pé, firmar-se, beija sua testa delicadamente e pede um abraço daquela que, mesmo debilitada e com falhas na memória, é sua mulher para sempre. Em passos miúdos, com ele a apoiando, seguem até a sala. No sofá, permanecem de mãos dadas, selando um companheirismo infinito. As rugas e os cabelos brancos denunciam a sorte de ambos.

terça-feira, 8 de março de 2011

pessoas

Uma vez perguntaram qual era sua paixão. Sem titubear,disse: Sou apaixonada por pessoas! No início, acharam que ela se referia a pessoa no Pessoa, como disse um poeta. É. Gostava de Fernando Pessoa, mas gostava mais ainda de pessoas, substantivo comum e no plural. P-e-s-s-o-a-s. De gente de tudo quanto é tipo, gosto e cor de cabelo. Porque pessoas são extremamente cativantes. Porque as pessoas mexem com todos os sentidos, porque dá pra tocar pessoas, abraçar pessoas, beijar pessoas. Cheirar pessoas. Até comer pessoas. Como não gostar de pessoas? Daí se irrita com pessoas que não gostam de pessoas. Porque tem pessoa que é assim, não gosta daquela e daquela outra pessoa. Separam as pessoas por cor. Separam as pessoas em mulher, homem, homo, bi, trans. Separam pessoas por quantidade de grana. E tem aqueles que acham que certas pessoas nem são pessoas...Pra quê? Por quê? Se no fim todos são simples e puramente pessoas?

Um feliz dia das mulheres. Mulheres que são simples e puramente pessoas, todos os dias.

domingo, 6 de março de 2011

E um e dois e dois e três...

Sensibilizava-se com a dança, embora não soubesse dançar. Os corpos em ritmos ordenados a emocionavam tal qual poesia, filme, músicas. Ah, a dança! Tão sutil, tão envolvente. Sexy. Não sabia de qual ritmo gostava mais. O tango, a salsa, o forró ou a clássica valsa vienense? Ficava com todos. Apreciava todos. Seus olhos acompanhavam aquela fusão perfeita entre a melodia tocada e os corpos dançantes. Tal fusão deveria ser sacra, pensava. Homens e mulheres que bailam carregam consigo algo incomum, até sobrenatural arriscava imaginar. Desprovida de tal dom, punha-se a sonhar com o dia em que seu corpo arriscaria uns passos. Da janela de casa ainda podia ver o casal dançando do outro lado da rua, na varanda.