quarta-feira, 30 de junho de 2010

Melhor assim

Não que não quisesse gostar do melhor amigo, é que quando o conheceu já estava apaixonada. Então vieram os namoros e um amor emendado no outro. E tinha essa mania de não se envolver com amigos. Criou essa regra e nunca a descumpria. Hoje acredita que inventou esse pretexto para não ser feliz de verdade. Mas, foi escolha dela...

Ele sempre a presenteava e ela retribuía, talvez por isso ele acreditava que houvesse alguma coisa e que cedo ou tarde essa coisa os uniria. Enganou-se. Não havia nada, nada da parte dela, que insistia em se perder em braços que não eram os dele.
Ele, mesmo transbordando de amor, nunca se declarou, deixava sempre para depois e depois, depois. Contudo, todos sabiam, até o pai dele. Fazia visitas ao pai e a levava junto. Os três passavam horas falando da vida, depois iam embora, ela para a casa dela e ele para casa dele. Durou mais de uma década.
Cansada do silêncio, atirou todas as palavras nele. Adjetivos, verbos, consoantes, frases inteiras, pela metade. Ele não a olhava nos olhos até pronunciar o primeiro palavrão. E a partir daí quem falou foi ele. Contou o que sentia, a forma como sentia.
Pediu desculpas, não adiantou. Ela o magoou. Machucou-o com a intenção de que ele seguisse seu rumo, que não se iludisse. Deu certo. Encontrou-o recentemente de mãos dadas, nunca o tinha visto de mãos dadas. Encheu-se de alegria e, mesmo sem se cumprimentarem, desejou que ele fosse feliz com quem estivesse.
De vez em quando se pergunta de quem foi a culpa e tenta achar os porquês que os impede de conversar. Não encontra culpados, não encontra porquês, só sabe que tinha de ser assim.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Tango

Ele olha para a foto e pergunta: Tia quem que tá do cheu lado? Eu olho para a foto que ele aponta. É o dançador de tango, respondo. Cheu amigo? É, ele brinca de dançar tango comigo. Tango? Que que é tango, tia? Tango é uma dança. Tantantantan. Tantantantan, cantarolo. Foi na Aguentina, foi? Aham, isso mesmo. Pego ele no colo e começamos a rodopiar pela casa ao som de minha própria voz, desafinada e sem ritmo.Tantantantan. Tantantantan. Ele ri. Mais, mais, pede. Canso. No chão, antes de entrar no carro para partir para a escola ele grita: Papaiiiii, danchei tango. Meu irmão o parabeniza. No caminho, ele canta o tantantan. Eu ao volante, ele no banco de trás. Tia, vamos dancha mais vamos? A hora que parar o carro, afirmo. Tá bom, concorda. Estaciono o carro, tiro a mochila e ele desce junto. Pego-o no colo e pergunto: Vamos dançar tango? Ele fica vermelho, se espreme, quase que querendo sumir, antes que eu faça qualquer movimento dançante. Não. Por que? Questiono. Aqui não tia, me adverte. Na fente da escolinha, não. Enzo, Al Pacino não teria me dito não. Mas eu falo.

sábado, 12 de junho de 2010

Que amor era esse?

Encontraram-se na estação de trem de uma cidadezinha qualquer. Sabiam que se cruzariam, um dia, mas não sabiam onde, quando, como. Foi depois de 5 anos separados, 5 anos sem conversa, 5 anos sem olhares, 5 anos sem amor.
O encontro estranho e inusitado provocou sensações incomodas em ambos, que não sabiam como reagir, principalmente ele, que, mergulhado em carência, há poucos dias tinha mandado uma mensagem para o celular dela. E ela não tinha respondido. A indiferença era o pior castigo para quem era tão orgulhoso e crente de seus “poderes” de sedução. Machucava, até.
Como não podiam evitar o encontro, visto que o mesmo já tinha se dado, ela foi até ele. Cumprimentou com um abraço sem graça e um beijo na bochecha. Achou estranho aquilo, aquele abraço sem vontade e aquele beijo sem gosto em quem, no passado, dava abraços apertados e beijos molhados. Adorava beijar aquela boca, ver aquele sorriso, sentir aquele cheiro. O mundo realmente gira e o tempo, definitivamente, é o melhor remédio, pensou.
Ele, sem jeito, mecanicamente a abraçou e retribuiu o beijo não molhado. Enquanto ela disparava perguntas e se mostrava até que interessada no que ele andava fazendo, ele se perguntava como tinha a deixado partir. Questionava o porquê de sua poligamia, se na maior parte do tempo, ela, somente ela, bastava. Queria ter sido menos grosso, menos fraco, menos imaturo. Eram 5 anos sem se ver, sem se tocar, mas ele sempre lembrava dela.
Constantemente mandava uma mensagem ou outra, mexia no seu orkut, enviava e-mails gigantescos, ligava. Era raro ela atender e quando atendia conversavam rápido, porque ele notava sua voz demasiadamente faceira, sua risada gostosa. Então era breve, pois sem ele, ela era mais feliz. E ela sabia que sua voz entregava o seu entusiasmo, sabia que isso o perturbava. Sentia-se no controle da situação, ela que havia se doado integralmente à paixão, ela que não enxergou mais ninguém por causa dele.
Agora era diferente. Os anos que passaram juntos tinham sido arquivados em seu coração. Chegou a pensar que nunca mais amaria, que nunca mais se envolveria com ninguém. Errou, vieram outros amores, outras dores. Era um ciclo repetitivo e continuo em sua vida.
Na estação, notou que ele não a queria ali. Jamais respondeu suas mensagens, seus e-mails. Há dois dias tinha enviado a ela uma mensagem de suplicio que também não obteve resposta. Quando atendia suas ligações era porque o número não era identificado, e ele sabia disso, sentia o desprezo.
Despediram-se. Ele aliviado, pois não sabia levar um fora, poucas mulheres lhe diziam não. Ela satisfeita, porque, de fato, ele não fazia mais parte dela. Agradeceu aos deuses e ao acaso, sentiu-se abençoada por não passar o Dia dos Namorados com ele. De noite, pediu vinho e brindou o amor com as amigas. Tinha uma capacidade de amar e desamar quantas vezes quisesse, quantos homens viessem, mesmo não sendo ele.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Marte e Saturno

Gostava dos homens devido à beleza. Sobretudo, por causa da grana ou do status que os mesmos carregavam e possuíam. Não entendia as relações entre classes e etnias diferentes, mesmo não se intitulando preconceituosa. Acreditava que tudo era uma questão de combinar ou não. Casais deveriam ter certa harmonia ao serem observados, como sapatos e roupas, bolsas e acessórios ou quadros e paredes.
Caçoava, sem maldade, as combinações que a amiga fazia. Tirava sarro porque, em sua mente, beleza, status e dinheiro eram fundamentais. E amava, amava mesmo, desde que tivessem tais requisitos. Quando via a amiga apaixonada por quem não tinha nada disso, não entendia. Decepcionava-se e rezava para a paixão logo passar. Passava, mas os amores da amiga sempre eram destituídos dos requisitos.
Também achava tosco andar de ônibus, reclamava do cheiro, das pessoas, de tudo. Achava-se superior a tudo aquilo, então desfrutava de seu carro importado, do conforto do seu conversível, do cheiro do seu perfume pago em dólares. E, algumas vezes, quando o pai achava que ela estava abusando, um motorista a acompanhava nos passeios, nas viagens, nas noitadas. Mesmo com tanto luxo, continuava convivendo com a amiga que valorizava a diferença, e, paradoxalmente, a igualdade.
Tudo bem, ela não compreendia aquela vida, achava medíocre demais, mesmo sem nunca ter confessado. Contudo, ambas gostavam da companhia da outra. Posto de lado as diferenças, havia as risadas em conjunto e, principalmente, a troca de experiências. A amiga que não tinha tanto dinheiro assim, não chegava a ser pobre, andava de busão e tinha concluído faculdade tal como ela - talvez fosse mais inteligente, pois lia mais, procurava mais. Sabia mais.
Enquanto se preocupava com o silicone, a outra falava sobre o livro que estava produzindo, sobre as diferenças grotescas que imperavam na sociedade. Discutia política mesmo não entendendo nada, mesmo que sua família não fosse de tal autarquia. Parava de pensar na quantidade de ml de suas próteses e se lembrava que seu pai, governador do estado, nunca debatera com ela a respeito daquilo que a amiga falava. Então, achou que certo era seu pai, que pouco se importava com tamanhas diferenças.
Elas tinham ido aos mesmos lugares. Uma a procura de aventuras, a outra, para ter fotos e assuntos nas rodas da alta sociedade. Uma ficava em hotéis de luxo e andava pelas ruas do estrangeiro de automóvel particular. A outra usava transporte coletivo, pousava em casas de conhecidos, amigos que fazia por onde passava. Elas não se julgavam, cientes de que eram de planetas diferentes.
O que satisfazia uma não satisfazia a outra, tudo era uma questão de opção. Não sabiam quem era a certa, quem era a errada. Poderiam ser as duas certas, as duas erradas. Talvez não houvesse certo e errado. Nunca saberiam. Uma jamais desejou ser a outra. Ideologia.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Era uma casa muito engraçada

O amigo ligou. Disse que tinham, enfim, comprado uma casa. E, o melhor, foi no leilão, economizaram horrores e tinham nas mãos a chave dos sonhos. Eles se casariam dali dois meses. Sorte.
O amigo insistiu para que conhecesse a nova futura residência. Falou dos apuros, dos compromissos, do pouco tempo, mas mesmo assim, topou. Foi lá ver a casa, que tinha teto mas não tinha nada.
O amigo empolgado foi abrindo a porta da frente que dava para a sala, era uma sala gostosa, ampla. Cabia sofá, estante, mesa, cadeiras, almofadadas pelo tapete e a rede do qual o amigo não abriria mão. A rede que já tinha sido motivo de briga entre ele e a mulher. Ela achava brega. No fim, o amigo venceu. Eles teriam uma rede na sala.
Enquanto o amigo disparava os planos do casal, da mobília, da decoração e de possíveis reformas, ele adentrava pela casa. Nela via a ruptura. Com o amigo morando ali nada mais seria a mesma coisa e toda coisa seria a mesma coisa.
Lembrou de todas as peladas que jogaram juntos, dos passes para o gol, dos tombos de falta, da cerveja depois da bola. Das viagens que fizeram juntos tinha as fotos na memória. Andando pelo corredor da casa vazia essas fotografias apareciam como slides. As festas de faculdade também vieram à tona quando entrou na cozinha.
Jogavam truco na mesa gasta que sua avó tinha dado para compor a mobília da república. E, agora, o amigo falava de cozinha planejada. Partidas infindáveis de truco não rolariam por ali. A mulher do amigo não gostava de gritos, de bagunça. Reclamaria de tudo e de todos até convencê-lo de que ao invés do truco poderiam jogar tranca, canastra, pife. Chata.
Não entendia aquele amor cego-surdo-mudo do amigo, que se apaixonou por aquela que torcia o nariz para a rede na sala, que não gostava de truco, que insistia para que ele ficasse em casa. Sabia que falar a respeito era em vão. Aceitou a formação daquele casal nada composto e até achou bacana quando o amigo comprou a aliança de noivado para ela.
Seguindo os ecos do amigo que ressoavam pela casa foi parar no quarto do casal. Ele estava lá, disparando planos, conferindo a estrutura, medindo paredes, verificando a janela. Pediu sobre a posição da cama, ele não quis opinar. Não era necessário enxergar para constatar a felicidade do amigo, seus timbres vocais denunciavam seu entusiasmo. Denunciavam a sua satisfação.
A casa era apenas uma desculpa. A residência de qual o amigo falava não tinha paredes de concreto e jamais necessitaria pinturas. Nela, mesmo chata, ele tinha encontrado um lar. Sentiu uma pontada de inveja. Quis também um quarto de casal.