terça-feira, 1 de junho de 2010

Era uma casa muito engraçada

O amigo ligou. Disse que tinham, enfim, comprado uma casa. E, o melhor, foi no leilão, economizaram horrores e tinham nas mãos a chave dos sonhos. Eles se casariam dali dois meses. Sorte.
O amigo insistiu para que conhecesse a nova futura residência. Falou dos apuros, dos compromissos, do pouco tempo, mas mesmo assim, topou. Foi lá ver a casa, que tinha teto mas não tinha nada.
O amigo empolgado foi abrindo a porta da frente que dava para a sala, era uma sala gostosa, ampla. Cabia sofá, estante, mesa, cadeiras, almofadadas pelo tapete e a rede do qual o amigo não abriria mão. A rede que já tinha sido motivo de briga entre ele e a mulher. Ela achava brega. No fim, o amigo venceu. Eles teriam uma rede na sala.
Enquanto o amigo disparava os planos do casal, da mobília, da decoração e de possíveis reformas, ele adentrava pela casa. Nela via a ruptura. Com o amigo morando ali nada mais seria a mesma coisa e toda coisa seria a mesma coisa.
Lembrou de todas as peladas que jogaram juntos, dos passes para o gol, dos tombos de falta, da cerveja depois da bola. Das viagens que fizeram juntos tinha as fotos na memória. Andando pelo corredor da casa vazia essas fotografias apareciam como slides. As festas de faculdade também vieram à tona quando entrou na cozinha.
Jogavam truco na mesa gasta que sua avó tinha dado para compor a mobília da república. E, agora, o amigo falava de cozinha planejada. Partidas infindáveis de truco não rolariam por ali. A mulher do amigo não gostava de gritos, de bagunça. Reclamaria de tudo e de todos até convencê-lo de que ao invés do truco poderiam jogar tranca, canastra, pife. Chata.
Não entendia aquele amor cego-surdo-mudo do amigo, que se apaixonou por aquela que torcia o nariz para a rede na sala, que não gostava de truco, que insistia para que ele ficasse em casa. Sabia que falar a respeito era em vão. Aceitou a formação daquele casal nada composto e até achou bacana quando o amigo comprou a aliança de noivado para ela.
Seguindo os ecos do amigo que ressoavam pela casa foi parar no quarto do casal. Ele estava lá, disparando planos, conferindo a estrutura, medindo paredes, verificando a janela. Pediu sobre a posição da cama, ele não quis opinar. Não era necessário enxergar para constatar a felicidade do amigo, seus timbres vocais denunciavam seu entusiasmo. Denunciavam a sua satisfação.
A casa era apenas uma desculpa. A residência de qual o amigo falava não tinha paredes de concreto e jamais necessitaria pinturas. Nela, mesmo chata, ele tinha encontrado um lar. Sentiu uma pontada de inveja. Quis também um quarto de casal.

2 comentários:

  1. Lindo, Lari. Incrivelmente lindo. É tão bom ver os amigos felizes, mesmo que, às vezes, isso custe parte da nossa felicidade. E é tão bom descobrir que quer um rumo na vida, nem que esse rumo seja um quarto de casal.
    Amei. Lindo demais mesmo.

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Porque quem comunica se trumbica.