quinta-feira, 10 de junho de 2010

Marte e Saturno

Gostava dos homens devido à beleza. Sobretudo, por causa da grana ou do status que os mesmos carregavam e possuíam. Não entendia as relações entre classes e etnias diferentes, mesmo não se intitulando preconceituosa. Acreditava que tudo era uma questão de combinar ou não. Casais deveriam ter certa harmonia ao serem observados, como sapatos e roupas, bolsas e acessórios ou quadros e paredes.
Caçoava, sem maldade, as combinações que a amiga fazia. Tirava sarro porque, em sua mente, beleza, status e dinheiro eram fundamentais. E amava, amava mesmo, desde que tivessem tais requisitos. Quando via a amiga apaixonada por quem não tinha nada disso, não entendia. Decepcionava-se e rezava para a paixão logo passar. Passava, mas os amores da amiga sempre eram destituídos dos requisitos.
Também achava tosco andar de ônibus, reclamava do cheiro, das pessoas, de tudo. Achava-se superior a tudo aquilo, então desfrutava de seu carro importado, do conforto do seu conversível, do cheiro do seu perfume pago em dólares. E, algumas vezes, quando o pai achava que ela estava abusando, um motorista a acompanhava nos passeios, nas viagens, nas noitadas. Mesmo com tanto luxo, continuava convivendo com a amiga que valorizava a diferença, e, paradoxalmente, a igualdade.
Tudo bem, ela não compreendia aquela vida, achava medíocre demais, mesmo sem nunca ter confessado. Contudo, ambas gostavam da companhia da outra. Posto de lado as diferenças, havia as risadas em conjunto e, principalmente, a troca de experiências. A amiga que não tinha tanto dinheiro assim, não chegava a ser pobre, andava de busão e tinha concluído faculdade tal como ela - talvez fosse mais inteligente, pois lia mais, procurava mais. Sabia mais.
Enquanto se preocupava com o silicone, a outra falava sobre o livro que estava produzindo, sobre as diferenças grotescas que imperavam na sociedade. Discutia política mesmo não entendendo nada, mesmo que sua família não fosse de tal autarquia. Parava de pensar na quantidade de ml de suas próteses e se lembrava que seu pai, governador do estado, nunca debatera com ela a respeito daquilo que a amiga falava. Então, achou que certo era seu pai, que pouco se importava com tamanhas diferenças.
Elas tinham ido aos mesmos lugares. Uma a procura de aventuras, a outra, para ter fotos e assuntos nas rodas da alta sociedade. Uma ficava em hotéis de luxo e andava pelas ruas do estrangeiro de automóvel particular. A outra usava transporte coletivo, pousava em casas de conhecidos, amigos que fazia por onde passava. Elas não se julgavam, cientes de que eram de planetas diferentes.
O que satisfazia uma não satisfazia a outra, tudo era uma questão de opção. Não sabiam quem era a certa, quem era a errada. Poderiam ser as duas certas, as duas erradas. Talvez não houvesse certo e errado. Nunca saberiam. Uma jamais desejou ser a outra. Ideologia.

2 comentários:

  1. E ninguém mais, além de você entenderia isso assim, tão explicitamente. E por isso - e muito além disso - que as duas te amam. Tenho certeza disso.

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  2. Hum... Não sei se posso comentar tantas ideolgias em tão pouco espaço. Não que isso seja ruim, talvez seja melhor!
    Gratz!

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Porque quem comunica se trumbica.