quinta-feira, 29 de julho de 2010

Vende-se

Era mignon. Do tipo que tem tudo no lugar certo, se quisesse podia ser modelo, miss, atriz. Podia sim, se expor, nua. O corpo era perfeito, combinava com o seu cabelo preto que ia até sua fina cintura. E seu cabelo por sua vez destacava seus olhos azuis cor de céu.
Os homens babavam e as mulheres a invejavam. Era, de fato, muito bela. Sua beleza só não era ímpar, porque ela parecia com qualquer garota de comercial de lingerie, com qualquer garota de propaganda de cerveja. Perfeita, exclamavam.
Ao abrir a boca a moça se desfalecia. A verbalização não lhe caia bem, pois o silicone, a chapina definitiva, os combates à celulite e as artimanhas para caçar homens ricos imperavam no seu discurso.
Discurso mesquinho, cheio de preconceitos, de futilidades, típicos de quem vinha da alta sociedade. E talvez por isso, de vir lá de cima, não tivesse vergonha alguma de impor suas opiniões vazias, de expor suas preferências de pouco valor. No mundo da moça bonita, não havia sutilezas ou abraços sem preço. Tudo tinha um valor, tinha de ter. Até ela se colocava à venda.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Uma vez por mês.

Em casa nada me consola, mas a rua também não alivia. É tudo à flor da pele. A intensidade me provoca. Caçoa da minha calma, da minha sensatez, dos meus pés no chão. Pronto, não tenho mais chão. Lá dentro tem muita chuva. A enchente desmoronou as minhas emoções e tudo está em águas, flutuando. Boiando. Meus olhos cansam, porque também estão cheios. Pelo rosto escorre aquela água salgada, que desce amarga, azeda, rasgada. Me encontro fora de contexto, não combino comigo mesma. Sou uma estrangeira em meu próprio corpo, em minha própria mente. E tudo o que eu ouço são goteiras. Incomoda, irrita. Pim, pim, pim.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Canto de Ossanha

Procurei em outras curvas me perder. Mas meus olhos, minha boca, não se sentiam tão à vontade com curvas que não fosse a dela. Era da boca da moça quase estranha que sentia falta. Era nos lábios dela que meu corpo queria se perder. Nossos encontros aconteciam ao acaso. E o acaso sempre nos proporcionava bons momentos. Juntos permanecíamos como o ímã na geladeira. Então, eu que sou um poço de sensibilidade, que acho que a vida é poesia, sentia-a ardentemente e a deixei entrar em mim. Ela entrou, sem hora e data para partir. Acomodado, permiti que fosse tomando espaço. Ela era espaçosa. Coração tolo. Tão tolo quanto eu.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Brisa

Foi rezar na língua dos anjos, cantar louvores, fazer penitência. Foi obreira, freira, pastora, ministra da eucaristia. Nada a convenceu. Então fez oferenda para Iemanjá, dançou para Exú. Falou também com espíritos, fez simpatias, jogou cartas. Pagou para lerem sua mão, pagou para ver seu destino refletido na bola de cristal.
Até o pároco da igreja se mostrou interessado a ajudar. Mas ele ficou irritado com os pensamentos dela. Levantou-se rápido, sacudiu a batina, deu com os ombros e a deixou lá, sozinha. No silêncio de sua solidão ela encontrou Deus.
Um pouco diferente do que haviam lhe falado. Com ele não precisava usar roupa certa, falar com respeito. Até o xingava e fazia gestos não educados perto dele. Ele a entendia. Encheu-se de graça no encontro consiga mesma. Decidiu divulgar, avisar que o céu não era nada daquilo que pensavam. Ninguém lhe deu ouvidos.
Olhou a rua, olhou as pessoas que passavam por ali. Fitou o seu vestido, o vento que carregava seus cabelos. Encarou suas mãos, seus pés. Decorou as cores do seu esmalte e o tamanho das suas unhas. Passou a mão no rosto para sentir sua pele, suas marcas ainda joviais. Reparou no seu próprio andar, em cada movimento que fazia enquanto voltava para casa. Quis ter certeza de que não era delírio. Fotografou o momento de sua libertação e achou que até a brisa que lhe batia não era mais a mesma.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Não quero mais que isso acabe

Deu três beliscões em sim mesma. Não era sonho. Ele estava ali, mesmo. Respirando lento, olhos fechados. E ela subia e descia, de acordo com a respiração dele, que a tinha envolvido nos braços, colocado-a junto ao seu peito.
Ela gostava do ritmo de sua respiração e entre uma subida e outra, sorria de canto. O silêncio quebrado pela respiração a impedia de dormir, assim como as cores que enxergava quando ele estava por perto. Queria absorver aquele momento, consumi-lo integralmente até a hora da partida.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Ciúme

Teresa: Estou encantada.
Maria: Com o pia?
Teresa: Sim.
Maria: Vou vê-lo no orkut.
...

Maria: Não se encante por ele.
Teresa: Por quê?
Maria: Ele tem milhões de recados de mulheres, você não sobreviveria.


sábado, 3 de julho de 2010

Martini Seco

16:50, julho. Inverno, mesmo em Campo Mourão. Casa fria.
- Larissa, você não está com frio?
- Não, mãe.
Chega perto para ver se não estou com febre. É raro eu ficar sem blusa em casa.
- Mãe, acabei de tomar um copo de Martini.
- Sem almoço, assim, no meio da tarde?
- Uhum.
- Você faz tudo errado, tudo errado, Larissa. Martini se toma acompanhada. Vou pegar mais para a gente.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Dança do tempo

Estava pensando em comprar um carro, não porque queria, porque era um jeito de guardar a grana. Dinheiro na mão é vendaval, mesmo. Tinha aprendido. Mas, quando olhou o anúncio do apartamento, seus planos mudaram. Foi sozinha lá ver. Era pequenininho. Do jeito que tinha pensado que fosse quando terminou de ler o anúncio. Na medida certa para duas pessoas, talvez mais uma criança também. Como era sozinha, o tamanho era perfeito.
Ficou imaginando sua vida ali, naquelas quatro paredes. Ela dona de sua casa, que além dos dois quartos, tinha cozinha, lavanderia e uma sala e copa, juntas, no mesmo ambiente. O banheiro era minúsculo, mas, para que tão grande?Pensou. Talvez não fosse a hora certa.
Olhou pela última vez o imóvel e desejou intensamente ter aquele metro quadrado. Estranha foi a vontade de mergulhar ali dentro. De se ver sozinha ali com o que tinha: meia dúzia de objetos pessoais, um computador antigo com mesa e cadeira, seus dois quadros recém adquiridos, o kusudama dado pela amiga, seu mural de fotos, seus livros, filmes e milhares de blocos de anotações. Por que não?