terça-feira, 29 de novembro de 2011

Prece

Pouco, mas o suficiente para querer que permaneça por um período longo. Quiçá interminável. De olhar para frente e desejar a sua mão na minha. De acordar já pensando em você e repetir o pensamento à noite. Rir a dois é melhor, de doer a barriga e pedir figa. Fico boba. E até duvido que você exista. Belisco. É de verdade, respirando numa frequência irresistível. Além do encaixe em mim. Que os trinta dias sejam apenas uma prévia do bem que você me faz.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Mentirinha

Quando a moça bonita se aproximou, não imaginava que a convidaria para um almoço no restaurante do outro lado da rua. Surpreendeu-se com a atitude. Há anos estendia a mão naquela esquina e nunca havia recebido tal convite. Talvez as rugas a tivessem ajudado. A piedade é maior para velhinhas que mendigam, concluiu. Enquanto atravessavam a rua, a moça bonita se explicava. Disse que ela lembrava a avó, que morreu há pouco tempo. É o mesmo tom de pele, o mesmo cabelinho cinza escondido num coque!, contava a moça bonita toda empolgada. A velha mendiga apenas sorria, sem jeito, sem responder nada. Refletida na janela do restaurante, hesitou em entrar. O reflexo lhe mostrava tantas coisas, inclusive que não era apta para o ambiente onde a levavam. A saia bege que descia até a canela tinha uns furinhos que, por mais que fossem remendados, insistiam em aparecer. Bege quase branca que contrastava com a blusa de lã pink, que lhe foi doada recentemente. Mas o que mais a incomodou mesmo não foi a roupa, mas a falta de um sapato fechado. O chinelo de dedo não escondia suas unhas sujas, de quem passa horas e horas caminhando pelas ruas. Num vai e vem curto, mas sem fim. Como ontem tinha chovido, debaixo das unhas ficou terra. Até esfregou quando chegou em casa, mas por não ter a força de outrora, não conseguiu tirar toda a sujeira. E o tempo não foi bondoso com ela, as rugas na sua face indicavam muito mais idade do que realmente tinha. Tímida, deu um passo para trás. Mas a moça bonita, num gesto natural, sugerindo apoio e compreensão, pegou-a pelo braço. Entraram juntas no restaurante. Durante o almoço, a moça bonita a entupiu de perguntas, além de comida, claro. A velha mendiga contou que morava distante, quase fora da cidade. Cuidava dos netos, cinco. Porque a filha tinha morrido. Depois que viuvou e sem forças para continuar na fábrica onde trabalhou por anos e anos, foi para as ruas. Fixou-se na esquina e a apontou da janela do restaurante. Seu trabalho não lhe trazia muito orgulho. Estender a mão à espera de esmola nunca esteve em seus planos. Mas aceitou o destino, visto que não tinha muitas alternativas. A moça bonita se disse sentida. Contudo, achou muito digna a velha mendiga que cuidava de metade de uma dezena de netos. Não devia ser fácil, pensava. Entristeceu-se. A velha mendiga, ao se despedir, rezou para moça bonita nunca descobrir a verdade. Pois a vida que tivera era muito mais triste do que contara. Preferia mentir sua história a pronunciá-la ou mesmo escutá-la. Posicionou-se na esquina, estendeu a mão. Ali, embora com certa vergonha, sentia-se melhor.