domingo, 6 de fevereiro de 2011

O mesmo caminho para um destino diferente

Foi andando. Há tempos não percorria o trajeto até a casa com as próprias pernas. Seguiu por suas ruas preferidas, pelas quais, por mais que tentasse desviar, acabava sempre passando, observando sempre as mesmas casas, as mesmas flores, as mesmas árvores, as mesmas pessoas. Meses sem andar por ali e nada tinha mudado. As mudanças demoram a acontecer, disse a si mesma em pensamento.
Às 18h e alguns minutos, o fusca vermelho estava parado em frente à escola pela qual passava. O carro sempre estava lá, sem ninguém ao volante ou no banco do passageiro. Era um automóvel bem cuidado, embora antigo. Só os bancos que não eram tão bons. Ao ultrapassar o fusca imóvel pela calçada lateral, podia espiar pelos vidros o ambiente interno. Os bancos ainda estavam cheios de furos, com a cor gasta e o volante também. O dono ainda não arrumou. Ou a dona. Nunca soube quem era o proprietário daquele carro, mesmo conhecendo seus defeitos. Defeitos antigos, de quando passava por aquela rua todos os dias, talvez de antes do atual dono do fusca tê-lo.
Após o fusca, avistaria uma velha varrendo a calçada. Ao inclinar seu corpo para dobrar a esquina, enxergou a velha. Ainda mais velha, ainda mais lenta. Tinha muitas folhas para varrer. E as varria todos os dias, naquela hora do dia. Olhou para cima, para a rede elétrica, e viu o par de All Star gasto junto do céu azul. Há meses o tênis estava lá. Talvez anos. Porque demorou para notar o calçado preso na rede elétrica, já que anda olhando para frente e para baixo, normalmente contando seus passos. Vez ou outra algo lhe chama a atenção, então olha para os lados ou ergue a cabeça.
Foi num dia quente que avistou o All Star, num dia de semana, desses que mesmo depois das 18h o sol ainda se faz presente, vivo, quente. Meninos e meninas daquela rua arremessavam pedras, galhos e afins para cima na tentativa de tirar o tênis do fio de energia. As crianças não conseguiram tirar o All Star de lá, constatou.
Seguindo reto, na descida, esbarraria com uma casa de um jardim cheio de rosas, das mais diversas, das mais belas. Era uma casa modesta, mas extremamente charmosa, com uma varanda que contorna a casa. A rede pendurada não era mais da cor de antes. Também notou que o senhor que lia na cadeira de balanço não estava por lá. Era a hora da leitura dele, ela sabia disso. Durante anos o viu devorando livros sobre aquela cadeira, que se encontrava vazia, naquela varanda, naquele horário. Ele deveria estar ali. O senhor combinava tanto com as rosas do jardim! Uma vez o viu conversando com as flores enquanto as regava. Antes de dar as costas para a casa, um moço embicou o carro no portão, impedindo que ela passasse. O moço podia ser o senhor da cadeira quando jovem. Talvez o velho tivesse morrido e o filho tomava conta da casa. Sentiu pelo senhor, mas ficou feliz pelas rosas, que continuavam belas.
Retomou os passos após o moço adentrar com o carro na garagem. Passou pela construção abandonada, pela igreja que nunca viu aberta. Pelo bar de onde sempre ecoavam gritos e risadas provocados pelo bingo. Bingoooo! O canto das cigarras ia ficando mais ameno à medida que caminhava. Sorriu para os vizinhos que chegavam e para aqueles que já proseavam reunidos na calçada. Desviou da bicicleta de uma das crianças. Pulou o buraco no qual por inúmeras vezes machucou o pé. Subiu o degrau que separava uma calçada da outra. Chegou em casa. Era sua última noite ali. Deixou um colchão para dar o adeus definitivo.

4 comentários:

  1. Que cheiro de nostalgia. Passeei pelo texto como quem conhece cada lugar dele e, no fim, senti uma saudade daquele lugar. A vida é assim, mesmo, colchões e colchões serão deixados...

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  2. Que lindo, Lari. Que triste. Também consegui ver cada passo dado, e até me deu um aperto pelo senhor, que não estava mais ali. Amei.

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  3. Vamos sorrir comigo? Adoro! Passa no meu blog pra entender!!!

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  4. Aiii qdo li parecia que tava passando pelo lugar tbm... :)

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Porque quem comunica se trumbica.