domingo, 31 de julho de 2011
Desaparecido
O poste estava cheio de papel. Quase não era mais poste, mas uma espécie de outdoor barato ao alcance de qualquer olho. Do mais atento ao mais preguiçoso. Bastava não ter olhos tão baixos, desses que se escondem mirando o chão, para dar de cara com os anúncios. Sexo por mixaria. Procura-se cachorro. Desaparecido. Perca peso, fale comigo. Vejo o futuro. Não tinha nenhuma novidade. Todo dia era assim. Ao aguardar o ônibus para voltar para casa tinha a mania de fitar o poste. De longe, lia todos os bilhetinhos fixados. Pegou essa mania depois que viu a mãe do desaparecido colocando o cartaz que anunciava o sumiço. Deu dó da mulher que, em meio às lágrimas e já encurvada como quem faz força para se manter em pé, fixava a folha de papel sulfite no poste. E nem precisou olhar a face da mãe para notar sua aflição. O ambiente ficou carregado e quem presenciou a colagem do cartaz se incomodou. Só tinha três aninhos o filho. Há quatro meses, desde que viu a mãe do desaparecido, imaginava as histórias por trás dos anúncios. E toda vez que mirava o poste, fantasiava. Deu nome para o cachorro: Tobi, que fugiu porque quis. Não queria donos nem nome fofo. Simples, fugiu. Era um cachorro de madame metido a ser vira-lata. Se não foi atropelado, deu sorte! Para as profissionais do sexo, uma vida bandida. Todas bandidas, imaginava. Tão bandidas quanto acabadas. Só podia. O valor era muito baixo para o prazer que afirmavam proporcionar. Imaginava-as pelancudas e fedidas. Ou quase esqueléticas e fedidas. Não sabia porquê, mas o sexo por mixaria não lhe cheirava muito bem. Seria preconceito? Perguntou-se, mas não se deu ao trabalho de responder. Pulava para o outro cartaz. O que falava sobre peso era com certeza de um ex-gordo. Absoluta certeza. Um ex-gordo que ajudava gordos e gordas a ficarem magros e com isso ele ficava rico. Era um bom empreendimento, ainda mais com essa neura de magreza.A cigana que via o futuro? De fato era uma cigana! Um luxo! Abaixo do “Vejo o futuro” tinha “Amarro o amor”. Mandigas de amor existem desde que o mundo é mundo. E essa coisa esotérica é curiosa. Tão curiosa quanto perigosa. Mexer com o lado de lá pode não ser tão vantajoso. Sem nunca ter visto a tal da mulher que jogava búzios e tarô, apostava que era uma charlatona. Algo lhe dizia que era uma tiazona - bonita até - que não tinha amarrado o grande amor de sua vida e que, de verdade, não amarrava nada. Nadinha. Quanta bobagem!, disse a si mesma depois de ser interrompida pelo barulho do ônibus. Despedia-se do poste e dos pensamentos que o mesmo a acometia quando subia os degraus do transporte coletivo. Sentada no banco, durante o percurso, rezava para o menino desaparecido.
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Que sensível, Lari. E que lindo. Sou sua fã primeira, saiba disso!!! ;)
ResponderExcluirLindo Lari, muito bom mesmo.
ResponderExcluirJonas.
Excelente texto. Parabéns !
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