Ele sempre a presenteava e ela retribuía, talvez por isso ele acreditava que houvesse alguma coisa e que cedo ou tarde essa coisa os uniria. Enganou-se. Não havia nada, nada da parte dela, que insistia em se perder em braços que não eram os dele.
quarta-feira, 30 de junho de 2010
Melhor assim
Ele sempre a presenteava e ela retribuía, talvez por isso ele acreditava que houvesse alguma coisa e que cedo ou tarde essa coisa os uniria. Enganou-se. Não havia nada, nada da parte dela, que insistia em se perder em braços que não eram os dele.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Tango
Ele olha para a foto e pergunta: Tia quem que tá do cheu lado? Eu olho para a foto que ele aponta. É o dançador de tango, respondo. Cheu amigo? É, ele brinca de dançar tango comigo. Tango? Que que é tango, tia? Tango é uma dança. Tantantantan. Tantantantan, cantarolo. Foi na Aguentina, foi? Aham, isso mesmo. Pego ele no colo e começamos a rodopiar pela casa ao som de minha própria voz, desafinada e sem ritmo.Tantantantan. Tantantantan. Ele ri. Mais, mais, pede. Canso. No chão, antes de entrar no carro para partir para a escola ele grita: Papaiiiii, danchei tango. Meu irmão o parabeniza. No caminho, ele canta o tantantan. Eu ao volante, ele no banco de trás. Tia, vamos dancha mais vamos? A hora que parar o carro, afirmo. Tá bom, concorda. Estaciono o carro, tiro a mochila e ele desce junto. Pego-o no colo e pergunto: Vamos dançar tango? Ele fica vermelho, se espreme, quase que querendo sumir, antes que eu faça qualquer movimento dançante. Não. Por que? Questiono. Aqui não tia, me adverte. Na fente da escolinha, não. Enzo, Al Pacino não teria me dito não. Mas eu falo.
sábado, 12 de junho de 2010
Que amor era esse?
O encontro estranho e inusitado provocou sensações incomodas em ambos, que não sabiam como reagir, principalmente ele, que, mergulhado em carência, há poucos dias tinha mandado uma mensagem para o celular dela. E ela não tinha respondido. A indiferença era o pior castigo para quem era tão orgulhoso e crente de seus “poderes” de sedução. Machucava, até.
Como não podiam evitar o encontro, visto que o mesmo já tinha se dado, ela foi até ele. Cumprimentou com um abraço sem graça e um beijo na bochecha. Achou estranho aquilo, aquele abraço sem vontade e aquele beijo sem gosto em quem, no passado, dava abraços apertados e beijos molhados. Adorava beijar aquela boca, ver aquele sorriso, sentir aquele cheiro. O mundo realmente gira e o tempo, definitivamente, é o melhor remédio, pensou.
Ele, sem jeito, mecanicamente a abraçou e retribuiu o beijo não molhado. Enquanto ela disparava perguntas e se mostrava até que interessada no que ele andava fazendo, ele se perguntava como tinha a deixado partir. Questionava o porquê de sua poligamia, se na maior parte do tempo, ela, somente ela, bastava. Queria ter sido menos grosso, menos fraco, menos imaturo. Eram 5 anos sem se ver, sem se tocar, mas ele sempre lembrava dela.
Constantemente mandava uma mensagem ou outra, mexia no seu orkut, enviava e-mails gigantescos, ligava. Era raro ela atender e quando atendia conversavam rápido, porque ele notava sua voz demasiadamente faceira, sua risada gostosa. Então era breve, pois sem ele, ela era mais feliz. E ela sabia que sua voz entregava o seu entusiasmo, sabia que isso o perturbava. Sentia-se no controle da situação, ela que havia se doado integralmente à paixão, ela que não enxergou mais ninguém por causa dele.
Agora era diferente. Os anos que passaram juntos tinham sido arquivados em seu coração. Chegou a pensar que nunca mais amaria, que nunca mais se envolveria com ninguém. Errou, vieram outros amores, outras dores. Era um ciclo repetitivo e continuo em sua vida.
Na estação, notou que ele não a queria ali. Jamais respondeu suas mensagens, seus e-mails. Há dois dias tinha enviado a ela uma mensagem de suplicio que também não obteve resposta. Quando atendia suas ligações era porque o número não era identificado, e ele sabia disso, sentia o desprezo.
Despediram-se. Ele aliviado, pois não sabia levar um fora, poucas mulheres lhe diziam não. Ela satisfeita, porque, de fato, ele não fazia mais parte dela. Agradeceu aos deuses e ao acaso, sentiu-se abençoada por não passar o Dia dos Namorados com ele. De noite, pediu vinho e brindou o amor com as amigas. Tinha uma capacidade de amar e desamar quantas vezes quisesse, quantos homens viessem, mesmo não sendo ele.
quinta-feira, 10 de junho de 2010
Marte e Saturno
Caçoava, sem maldade, as combinações que a amiga fazia. Tirava sarro porque, em sua mente, beleza, status e dinheiro eram fundamentais. E amava, amava mesmo, desde que tivessem tais requisitos. Quando via a amiga apaixonada por quem não tinha nada disso, não entendia. Decepcionava-se e rezava para a paixão logo passar. Passava, mas os amores da amiga sempre eram destituídos dos requisitos.
Também achava tosco andar de ônibus, reclamava do cheiro, das pessoas, de tudo. Achava-se superior a tudo aquilo, então desfrutava de seu carro importado, do conforto do seu conversível, do cheiro do seu perfume pago em dólares. E, algumas vezes, quando o pai achava que ela estava abusando, um motorista a acompanhava nos passeios, nas viagens, nas noitadas. Mesmo com tanto luxo, continuava convivendo com a amiga que valorizava a diferença, e, paradoxalmente, a igualdade.
Tudo bem, ela não compreendia aquela vida, achava medíocre demais, mesmo sem nunca ter confessado. Contudo, ambas gostavam da companhia da outra. Posto de lado as diferenças, havia as risadas em conjunto e, principalmente, a troca de experiências. A amiga que não tinha tanto dinheiro assim, não chegava a ser pobre, andava de busão e tinha concluído faculdade tal como ela - talvez fosse mais inteligente, pois lia mais, procurava mais. Sabia mais.
Enquanto se preocupava com o silicone, a outra falava sobre o livro que estava produzindo, sobre as diferenças grotescas que imperavam na sociedade. Discutia política mesmo não entendendo nada, mesmo que sua família não fosse de tal autarquia. Parava de pensar na quantidade de ml de suas próteses e se lembrava que seu pai, governador do estado, nunca debatera com ela a respeito daquilo que a amiga falava. Então, achou que certo era seu pai, que pouco se importava com tamanhas diferenças.
Elas tinham ido aos mesmos lugares. Uma a procura de aventuras, a outra, para ter fotos e assuntos nas rodas da alta sociedade. Uma ficava em hotéis de luxo e andava pelas ruas do estrangeiro de automóvel particular. A outra usava transporte coletivo, pousava em casas de conhecidos, amigos que fazia por onde passava. Elas não se julgavam, cientes de que eram de planetas diferentes.
O que satisfazia uma não satisfazia a outra, tudo era uma questão de opção. Não sabiam quem era a certa, quem era a errada. Poderiam ser as duas certas, as duas erradas. Talvez não houvesse certo e errado. Nunca saberiam. Uma jamais desejou ser a outra. Ideologia.