quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Capítulo 1

Ai. O sussurro curto e baixo marcou a primeira vez. Estava leve, com o olhar de quem não está onde de fato se encontra. E enquanto o namorado se atentava ao preservativo, ela prestava atenção ao ambiente que parecia vibrar, depois das pernas não mais bambas. Ainda nua, reparou no lençol, que nem estava sujo, como disseram a ela que ficaria. Também ninguém fumou, porque, claro, nem um e outro apreciavam o cigarro. E ele não dormiu, como previu a maioria. Após o gozo, deitaram juntos, respirando fundo. Ou era o silêncio que fazia parecer que ambos respiram fundo. Ele, então, ligou a TV e buscou alguma coisa para assistir, ficou pulando de um canal para o outro. E de um canal para o outro ela ia montando a cena da qual acabara de ser protagonista. Quis tomar o controle da mão do namorado e o convidar para a próxima cena. Conteve-se. Ainda era preciso decorar alguns capítulos...

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Grande Dia

Ele gargalhou no primeiro encontro. Foi depois de escutá-lo rindo (uma das risadas mais gostosas que já escutei) que me senti presenteada pela vida, por tê-lo por perto. E gostei, logo de cara, do encontro – que mal havia iniciado. Como o enredo da peça de teatro era uma comédia, era inevitável o riso, de ambos. De todo o público. Mas o dele era especial. Destacava-se no meio da plateia. O que, por vezes, me fazia rir mais ainda, porque, além da peça, eu podia gargalhar da risada dele. Doeu minha barriga e eu desejei aquela risada para mim. Que viessem muitas outras. E foi por causa da gargalhada (e não por ele ser um moreno alto, bonito e sensual) e do ambiente em que estávamos (naquele primeiro dia de nós dois juntos) que eu pensei que poderia passar o resto dos meus dias com ele. E, desde então, a vontade só aumenta.

sábado, 20 de outubro de 2012

Francisco e Tereza

Chamam-se de amor. Amor para lá, amor para cá. Amor com bom dia, boa tarde e boa noite. Mas sem diálogo. Amor de dividir as refeições e garrafa de vinho, como se não estivessem na mesma mesa, incomodados com o silêncio ininterrupto produzido somente por pessoas que já se conheceram, mas que se perderam uma da outra. Amor de ver filme juntos mas separados. De intimidades, de usar o mesmo banheiro com a porta aberta e de tirar a roupa sem fazer carícias. Amor de dormir juntos, nunca de conchinha. Amor de retratos espalhados pela sala, nas paredes do corredor. De pose. Amor registrado em cartório, confirmado na igreja e atestado com os filhos. Mas sem resquícios no dia a dia.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Preciosidade

Toda manhã, quando escovava os dentes, aproveitava para espiar o ‘namorido’ pelo espelho do banheiro. No momento que o encarava escondida, ele dormia profundamente, esparramado pela cama, ocupando o espaço que até então ela estava. Mirou o relógio para ver se ainda dava tempo de tomar o café. Tranquilo. Aos pés dela, ainda descalços, Chocolate, o cachorro. Cuspiu a pasta e mandou que Chocolate fosse para ‘caminha’. Esquentou o leite no microondas e tomou uma xícara. Terninho, brincos e pulseiras. Vestiu o sapato. Uma maquiagem básica feita no espelho do corredor. Voltou para trás e centralizou o porta-retrato com a foto do abraço triplo (dela, da mãe e da irmã). Cuidadosamente, para evitar barulho, fechou a porta do apartamento e deu três giradas na chave. Fechou os olhos e respirou fundo. Satisfação! Felicidade é mesmo coisa simples, certificou-se.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Silêncio gostoso

Parece cócegas! Dessas que mexem com o corpo inteiro e que se desmancham em riso. Riso expressivo, que deixa os olhos pequenininhos, porque a boca sorri largo, como que querendo alcançar as orelhas. Às vezes parece um “plim”. “`Plim” que dá da cabeça até o dedão do pé. E tem ocasiões que é como andar nas nuvens, uma paz, uma leveza. Em certos momentos, arde. Queima a alma até suar o corpo ou o corpo queima até suar a alma? Diante de tantas sensações, por vezes simultâneas, eu me calo. Não encontro o vocabulário adequado. Mas não importa. Porque até no silêncio você está comigo. E me salva, de várias formas.

domingo, 4 de março de 2012

Tudo alinhado, demais.

Nenhuma almofada fora do lugar. A vermelha ao lado da amarela que está do lado da marrom, seguida de mais uma vermelha. Todas no centro do sofá de canto. No chão, o brilho chama a atenção. Sobre a mesa de jantar, apenas o vaso com as flores. Não há cadernos, chaves, revistas ou mesmo cartas, que antes eram deixados pela mesa, fazendo-a parecer muito mais um móvel de escritório do que uma mobília de sala de jantar. Ao lado da porta de entrada, perto do tapete, nenhum sapato. Ainda se tira o calçado para entrar em casa, mas ninguém mais o deixa fora da sapateira. Casa limpa e arrumada, sinônimo de ausência e silêncio. Foi até a sapateira, pegou uns calçados e os deixou no pé da porta. Depois, espalhou papéis dos mais diversos sobre a mesa. Também jogou uma almofada no chão e desalinhou as demais, que ficaram perdidas uma das outras no sofá. Disfarçava a saudade, simulando a bagunça de outrora.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Remorso

Acorda às 6:30. Toma banho, veste a roupa, senta para o café. Das 08:00 às 12:00, trabalho. No horário de almoço, visita aos clientes, banco, uma olhada nas lojas. Volta ao trabalho, das 13:30 às 18:00. Em casa às 18:30, toma banho, veste a roupa, come. Vai para o computador. Checa e-mail, manda e-mail, lê as notícias, enquanto conversa no Facebook. Ainda tem que terminar de escrever o projeto, concluir o planejamento, verificar as propostas e confirmá-las. Termina as atividades perto das 21:00. Assiste um pouco de TV, vê o namorado. Às 23:00 está na cama, desacelerando, retomando o dia e planejando o que vem. Não conversou com os pais, não telefonou para os avós. Também não respondeu a mensagem do amigo, assim como não brincou com o cachorro. E ainda faltou pagar uma conta, colocar a ideia nova no papel, ir ao advogado e começar a tal da atividade física que ainda nem escolheu qual será. Se o dia tivesse mais que 24 horas, o remorso seria menor?

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

27 janeiros

Mandela ficou 27 anos preso. É muito tempo! Uma vida, a minha vida. E falando assim, em 27 anos de idade, nem parecem muito. Vinte sete anos. Vin-te se-te, ainda mais próxima dos 30. Existem listas do que se fazer antes dos 30 anos e eu ainda não fiz a minha, embora tenha em mente alguns itens. O medo de parte deles ficar só na vontade é grande, por isso o temor a cada aniversário. Daí, um friozinho na barriga, como esses que dão de andar de montanha-russa, acompanha-me durante o dia do meu nascimento. O friozinho é abafado com a sensação gostosa de mais um ano de vida. É a estreia da nova idade a ser pronunciada. E toda estreia é especial. Quantos anos você tem? Vinte sete anos! Soa tão natural, mesmo que alguns se assustem. Feliz ano novo, para mim.