Zoah brincava com a sopa de letrinha. Mesmo não distinguindo o A do B, ela sabia que ali havia um enigma. Então, punha-se a cutucar os macarrãozinhos, formando palavras inexistentes, mas dotadas de significado, para ela.
Ianzah, mãe de Zoah, incentivava-a. Aí a menina se perdia no universo letrado, brincava de pega pega com o substantivo, de esconde esconde com os adjetivos e de mímica com os verbos. Adorava falar do presente, passado e futuro. Contudo, era do gerúndio que ela gostava mais. Gerundiava sem parar, gerundiando.
Do alfabeto, gostava mais do Z e do S. Z porque era a letra inicial do seu nome e S, porque gostava de ser. Antes ser do que ter, pensava. Começou a juntar as letras. Construiu textos sem contextos, eram seus pensamentos atravessados, o dedo tentando acompanhar a cabeça que por inúmeras vezes não estava no lugar. Mais tarde entendeu que a sua loucura era poesia.
Produziu insanidades com o alfabeto inteiro. Largou as cantigas de roda e cantou suas próprias cantinas, que na verdade, eram cantigas quadradas. Zoah gostava de ser diferente, zoava do comum e caçoava da rotina. Sempre.
Ainda quando criança, dedicou-se às crônicas. Foi quando perdeu o dente e o deu para a fadinha. Zoah escreveu sobre perder aquilo que, naturalmente, pertencia-lhe. Depois da crônica vieram as história em quadrinhos, os contos de fadas, as fábulas e as rimas sem rima ou versos sem versos. Fez todos os gêneros. Era escrava da língua, da palavra escrita.
Plantou suas histórias. Eternizou-as no papel, entre letras e mais letras, uma vírgula, um ponto. Sinônimos e antônimos, variava. Era assim que ela se constituía. Apelidaram-na de escrevinhadora. Ela adotou para si tal designação, achava chique ser escrevinhadora, e seu ego mais ainda.
No fim da vida, as linhas do livro de Zoah estavam todas preenchidas. Imprimiram sua vida no dia em que ela viajou, seguindo para lá do céu, depois da curva do arco-íris, antes de chegar no sol, bem pertinho da lua. De vez em quando ela manda notícias, por escrito, claro.
O caderno de Zoah agora é o céu, ela escreve com as estrelas e, quando se empolga, com os cometas. Varia. Lá de cima ela ensina o seu neto, Sucuah, a brincar com a sopa de letrinha. Torce para o menino cutucar os macarrãozinhos.
Hoje é vizinha de Machado de Assis e Lima Barreto. Melhor amiga de Clarice Lispector e Raquel de Queiroz. Ela flerta com Vinícius e Mário Quintana, mas é do Drummond que ela gosta mais. Foi escrava da língua, da palavra escrita. Nada objetiva e incessantemente subjetiva.
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