quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Cotidiano

Sobre perspectivas, destino, condição. Sobre eu e você ou talvez nada disso

Emprego fixo para quê? O salário baixo ainda não contribui para que ele compre aquele carro almejado, aquele tênis da moda, aquela blusa de marca. Também, ainda, ele não pode comprar o sobrado que ele paquera, há, pelo menos, uns dois anos. Ele estudou quatro anos para isso: viver limitado ao seu semi-salário. ‘Você está em começo de carreira, é por isso, já melhora’, consolam-no. Enquanto isso ele imagina. Pensa no que ele queria realmente ter feito: viajar. As viagens sempre foram seu ideal, seu projeto de vida, seu consumo. Então foi estudar, pois pensava que depois de formado teria a grana para viajar. Enganou-se. O mundo adulto lhe deu uma rasteira, vieram as obrigações, a contribuição em casa, a compra do mercado, o pão do café da tarde, a gasolina para ir até o cinema, o remédio quando ficou doente. E, ainda, tinha o cabelo que deveria ser cortado, os dentes que deveriam ser tratados, o presente do amigo, o computador que quebrou. Desistiu das viagens. O seu empecilho foi a responsabilidade, que o impregnou de cuidados, que o impediu de agir por súbito. E assim, lentamente, o homem que se dizia do mundo, tornou-se enraizado. Teve bom emprego, fez carreira, casou, teve filhos. É feliz. Mas, de vez em quando ele engasga e por um bom tempo viaja, viaja em seus pensamentos, relembrando seus mais absurdos sonhos, seus mais atípicos desejos. E, então, ele se recorda de sua frase clichê, dita à sua mãe quando tudo parecia dar errado: ‘Se nada der certo eu fujo com o circo’. Ele ri. Aos quarenta ele, ainda, acredita que dá tempo de fugir. Só não sabe como. ‘Pai, me dá um braço’, escuta.

5 comentários:

  1. credo, lari... me deu uma tristeza esse teu texto...

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  2. mas não era para ser triste, é apenas constatação :P

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  3. Sabe o que é triste?
    A constatação. Porque este texto é muito mais verídico do que se imagina... e por isto, triste. Porque quando se desiste de sonhos, passa-se a viver um funeral diário... e é triste viver em velório eterno...
    Credo, Lari... que triste você tão novinha escrever este texto tão sensível e tão profundo!
    .
    Paula, minhafilha, vai viajar!!!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Ooo Lu, eu tb vou viajar ;)
    Como eu disse, o texto pode ser ou não sobre eu e vc..., o que eu fiz foi uma constatação alheia, percebendo que muitos esquecem sua ‘lista de desejos’ ficando à mercê da rotina ou do que os outros acham que é melhor.
    Porque se pararmos para pensar, não precisamos de muita coisa para ser feliz (no meu caso). Meus sonhos não são padrões: boa carreira, casa, família, carros...porém, tem gente que esquece daquilo que realmente quer e acaba impregnado de sonhos padrões. E eu não acho triste, eu acho cômodo, porque a pessoa é feliz, pode não ser por completa, mas é, e por isso ela se acomoda e não viaja, eu acho... ;)

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Porque quem comunica se trumbica.