Eu estava lendo o livro, concentrada. Enquanto ele me rodeava, pedindo atenção. Atenção que eu negava. Até que ele me perguntou sobre o que era o livro. Numa tentativa desesperada de garantir a atenção, ele se mostrou interessado na minha leitura, aos quatro anos de idade! Eu disse que era livro de adulto. E ele continuou perguntando. Quem estava dentro do livro? O que acontecia? Foi chegando mais perto. Cercou-me. Sentou do meu lado. Com os dedinhos ia indicando palavras e perguntando o que elas significavam. Eu não resisti. Peguei a caneta marca texto, girei minhas mãos, transformei-me numa feiticeira e o transportei para dentro da obra. Enzo Gabriel, cara de pastel, eu quero você dentro desse livro de papel! O sorriso dele foi de orelha à orelha. Ele me pediu socorro, disse que tinha muito adulto dentro do livro, que as palavras estavam o afogando e que a vírgula queria matá-lo. Eu virava as páginas e ele virava junto. E a cada página virada, uma viagem. Uma nova aventura. Até que ameacei fechar o livro. Tia não! Se você fechar, eu fico aqui dentlo para semple. O rosto assustado indicava a angustia dele. Para sempre é muito tempo. Tá, sai daí Enzo. Ele sai faceiro, toma a caneta das minhas mãos e transforma coisas em sapos, gente em monstros. Há duas semanas que não encontro minha caneta...
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
Escolha
Partir parecia tão fácil, uma alternativa madura e ao mesmo tempo divertida. Ares novos, pessoas novas. Eu gosto disso. Mas eu também gosto de rotina. Como uma boa capricorniana, eu sou sistemática e gosto de me sentir confortável num ambiente onde eu já conheço todos. E todos são tão bons. E eu penso em cada rosto que eu vou deixar de ver, em cada espaço que vai ficar nos abraços, em cada palavra que não vou escutar mais. “Tia” é elogio e ouvir por telefone não será a mesma coisa. Lidar com a saudade é penoso para mim, sempre foi. Acho que é por isso que, de uma maneira ou de outra, sempre trago quem eu gosto para perto. Ninguém entende o motivo de eu ficar. Às vezes nem eu. Eu estava preparada para partir a qualquer momento, mas agora a decisão pesa. O coerente é eu ir, sim, eu sei. E eu sempre faço o que é coerente, não é mesmo? Mas, a minha vontade é ficar. Aqui tem uma lista sem fim de prós. Lá? Tem, mas eu finjo que não tem. Aqui. Aqui fala tão forte em mim.
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Coisa de adulto
A gente pede uma porta e o que abre é uma janela, com vista para um lugar bem diferente daquele que imaginamos. E diante da porta ainda trancada, fica a dúvida: pular pela janela ou girar a maçaneta? A gente até gira a maçaneta, mas a porta está chaveada. Então, olhamos pela janela, analisando a vista. Pode ser que não seja tão ruim. Nem o lugar e, quiçá, nem as pessoas. A gente respira fundo, suporta o frio que dá na barriga e que sobe seco dando nó na garganta. E reza, para que tudo dê certo. Porque é assim que adulto vive. De renúncias, dúvidas e apenas uma certeza. Somos aquilos que esolhemos ou, por vezes, aquilo que nos é permitido ser por um momento.
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Encruzilhada
Ele notou primeiro o abismo que se instalou entre os dois. Não a procurava mais debaixo dos lençóis e nem fora deles. Ela fingia que era tudo como antes, temia reações. Não estava preparada para um término e nem mesmo para um recomeço. Indecisa, simulava normalidade. Talvez numa noite qualquer ou numa manhã de domingo os dois voltassem a se falar e se olhar. Era um palpite. Na verdade muito mais esperança do que palpite. Na alegria e na tristeza? Ele refletia sobre o juramento que nunca fizeram, mas que une a maioria dos casais. Não casaram. Foram morar juntos, amar-se bastava à época. Agora ele acha que podiam ter feito o juramento. Não sabe explicar o motivo, mas acredita que tem um peso maior quando duas pessoas se unem sabendo que devem se amar na alegria e na tristeza. Se pudesse, teria casado e jurado que a amaria na alegria e na tristeza. Contudo, na frieza, jamais. Sem saber, ela concordava com ele e não sabia como quebrar o gelo da relação. Se ela o amava? Ah, sim. Só que de vez em quando se esquecia. E o mesmo acontecia com ele. Há um momento em que os casais se perdem e que, mesmo juntos, seguem por direções opostas. Ele e ela sabem disso e torcem por uma encruzilhada. Que pode não aparecer.
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