sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A quarta geração dos Antunes

A falência da família foi chegando sorrateiramente. Começou com a dispensa de Maria, que há mais de uma década cuidava das crianças, da casa, dos patrões. Algumas lágrimas escorreram dos olhos dos meninos, outras do rosto de Maria. A mãe, após a demissão da doméstica, explicou aos garotos que a partir daquele momento teriam que ajudá-la a lavar louça, varrer a os quartos, limpar o banheiro.
Entenderam o recado e compreenderam que a ajuda deles era necessária, afinal a mãe trabalhava fora, em duas escolas. O pai também entraria nessa dança. O marido encarou a faxina como outra afazer qualquer, pois teve infância modesta antes de ser empresário bem sucedido, sabia como fazer os serviços. Foi o mais velho de seis irmãos, cozinhava bem e até passava roupa adequadamente. Doeu nele ver os filhos, que nunca tinham lavado um prato, lavar louça do café da manhã até a janta.
Depois da empregada, cortaram aquilo que consideravam, naquelas circunstâncias, luxo: clube, aulas de judô e música, roupas todo mês, inglês particular. O menino de 14 anos, mais velho, mesmo sentido, tentava compreender. O de 10 anos, revoltado, tirava notas vermelhas, brigava na escola. O de 5 anos no começo chorava, fazia manha, mas depois esquecia.
Os pais viviam com a testa franzida, faziam contas para tentar manter a escola particular e a casa, que tinha um tamanho considerável. Cinco quartos, uma cozinha enorme, sala de jantar, de estar, de TV. Além do espaço da churrasqueira, tinham um quintal com casa na árvore, escorregador, balanço. Era muita grama para cortar, ou seja, mais um gasto.
Venderam a casa. Tiveram que dar os cachorros. Foram morar em apartamento. Os meninos continuaram na escola particular. Para tanto, deixaram de trocar de carro todo ano, não viajavam mais para a praia, não viam mais os parentes do outro estado, não compravam mais os últimos aparelhos eletrônicos do mercado. A fonte tinha secado demais. Mesmo assim, o mais velho dos filhos foi estudar fora, tinha passado em universidade pública.
Durante os cinco anos da faculdade, o garoto mudou, a família mudou. O irmão do meio ficou ‘grávido’. O apartamento pequeno onde residiam recebeu mais dois moradores: a cunhada e o sobrinho que logo chegaria. O irmão mais novo foi terminar os estudos em escola pública. Os pais continuavam arregaçando as mangas, a procura de uma saída que nunca encontravam.
Cresceu, formou-se e foi trabalhar. Como a profissão que escolhera era pouco rentável, tinha medo de não conseguir nada. Tinha medo de não poder ajudar a mãe, o pai, o caçula, o irmão que casou. Escutava músicas para abafar esse medo. Corria para que a ansiedade cessasse. Entretanto, temia não chegar a lugar algum.
Os anos passavam e o sonho de dar tudo aquilo que teve um dia, como retribuição, ficava distante. A mãe, mesmo aposentada, trabalhava. O pai também. Talvez nunca pudessem parar de trabalhar. Essa incerteza o apavorava e a tristeza no olhar dos pais lhe atingia. Lembrava da infância, da adolescência. Da casa grande, do cheiro dos carros novos, de como era cômodo ter quem fizesse o serviço de casa. Queria poder voltar no tempo e interromper a falência. Desejava, de alguma forma, impedir que o futuro fosse aquele presente.

Um comentário:

  1. Talvez, se a falência não tivesse sido decretada a tempo, os filhos faliriam depois. Porque não iam saber o valor que as coisas têm. E não saberiam como se virar, afinal, não teriam enfrentado nada assim. E que bom que, mesmo com todo o mal que aconteceu, ainda foi possível manter algumas coisas. Como a faculdade fora do mais velho. E que bom que ele tem essa percepção, mesmo que acredite ser cada vez mais distante a chance de devolver aquilo que lhe foi dado. Mas uma hora melhora, as pessoas crescem, se adaptam e evoluem. É assim. É a vida.

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Porque quem comunica se trumbica.