quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Ônibus 227

Eu a aguardo ansiosamente pela manhã. De tanto observá-la sei de cor as pintinhas do seu pescoço. São cinco, que parecem descer em fila à sua saboneteira. Aliás, é na sua saboneteira que me perco, na sua pele branca ávida, por onde parte de seus cabelos longos repousam. Cabelos cor de cobre. É cobre que é avermelhado? Sou péssimo com essa coisa de denominar cores. E quantas cores você usa! Todas. Gosto mais do seu vestido branco que você costuma usar na sexta-feira, não toda sexta-feira, mas às sextas-feiras. Você fica tão linda. Imagino que na sexta-feira seja o dia de todos irem ao trabalho com roupas mais despojadas, pois nos demais dias você está elegante, vestida com um terninho ou algo do tipo. Sei também que na sexta não é sua folga. É, meu bem, eu te acompanho até a porta da sua empresa, mas você não sabe e, quiçá, nunca irá saber. Todos os dias são assim. E isso acontece há um ano e quase quatro meses. É tempo, eu sei. Eu lembro de você ainda morena, quando seus cabelos ainda não eram avermelhados. Foi a primeira vez que a encontrei. Perdi o horário do ônibus, tive que recorrer a outra linha. Foi nessa linha que você apareceu e eu permaneci. Ando duas quadras a mais, por você. Porque se eu pegar o ônibus que passa em frente a minha casa eu não a vejo, eu posso te perder. Prefiro andar essas duas quadras e encontrá-la todos os dias, incluindo-a na minha rotina, nessa minha vidinha sem tanta graça. A graça é você. Que me despertar, que sentada num banco qualquer a olhar para rua, me fascina. Já te contei que fucei nas suas compras para ver o que costuma levar para casa? Não se preocupe, não mexi em nada do que você carregava. Mas meus olhos entraram na sua sacola de mercado e vasculharam seus pertences. Tinha doces, suco natural, um pacote pequeno de pão, um pouco de frutas e o absorvente. Imaginei que estivesse naqueles dias. Até isso eu sei de você. Não precisa ficar assustada, eu não vi nada demais. No outro dia bisbilhotei sua sacola novamente, notei que havia ração e conclui que você tem um cachorro em casa, provavelmente. Um dia pode ser que eu saiba o nome dele...Sei também que gosta de filmes e música. Posso até adivinhar os filmes que assistiu no último fim de semana. Não, não lhe segui até a locadora. Mais uma vez, foi sua sacola que a denunciou. Você também abriu os DVDs, como quem confere o que acabou de escolher. Então eu, sem querer, sei quais são os filmes. Gostei dos filmes. Gosto quando você escuta música. De vez em quando a vejo com seu Ipod, batendo os pés, batucando as mãos. Você cantarola em silêncio aquilo que escuta enquanto observa o nosso trajeto pela janela lateral do transporte coletivo. Falei nosso trajeto, não é mesmo? É. Já te inclui na minha vida. Falta só você saber.

2 comentários:

  1. Lindo. Apesar de um tanto quanto 'psicopático' pra alguém que tem tanto medo assim de psicoses... rsrs... amei!

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  2. Realmente é um pouco psicopático, mas é bonito...

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Porque quem comunica se trumbica.