quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O maestro

Enquanto o menino de menos de sete anos insiste para o pai comprar o balão azul, a banda municipal toca. Ao mesmo tempo em que o casal de namorados escolhe a melhor e maior maçã do amor, que a mãe levanta a menina que acabou de cair, que o malandro ensaia sua próxima cantada, que o prefeito cumprimenta o povo, a banda municipal passa.
E entre conversas, gritos, o barulho dos brinquedos e outros sons diversos, a banda municipal se silencia. Ninguém a escuta.O som da flauta doce, aliado ao reco-reco, trompete, trombone e saxofone, já não encanta mais a plateia. Para a tristeza do maestro, a banda toca para o nada. E a tristeza do maestro só não é maior, ou talvez seja maior, porque ele esqueceu tudo. Tudo.
O filho explica que o homem que rege a banda não sabe mais quem é, esqueceu do nome, do sobrenome. Não lembra que casou, que separou, casou de novo e teve filhos. Doze filhos. Dos netos? Ele não conheceu nem o primeiro. O filho do maestro fala, com a voz sofrida, de quem procura uma explicação, que a única coisa que restou da memória de seu pai foi a música.
As partituras são as únicas lembranças do passado. Tamanha é a paixão do maestro pela banda, pelos instrumentos que ordena, pelos músicos que comanda. Músicos companheiros e amigos de longa data. Entretanto, da amizade o maestro não se recorda. A sina dele é lembrar só da melodia.
O filho dele não entende o porquê da lembrança ser só as partituras, conta que era um bom pai, um bom marido. Um homem que gostava de reunir a família e se sentir cheio dela, dos amigos, das pessoas. Então, o filho recorda o tanto que o pai ensaiava, o tanto que se dedicava à banda. Talvez fosse a dedicação? Afirma, mesmo que indagando as recordações do pai.
E vê-lo assim, no meio da praça, tocando para o nada, entristece o filho do maestro. Porque ele sabe que o pai já foi prestigiado, ele sabe que teve brilho, que tocou até para o presidente da república em visita ao município. Mas o pai não sabe. O Alzheimer não deixa o maestro saber que um dia o público pediu bis.

3 comentários:

  1. Ai, Lari, que triste. Mesmo assim, lindo. Alzheimer é triste, só quem já conviveu com alguém doente sabe...

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  2. Muito bom! Seu texto não para de melhorar mais e mais!

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Porque quem comunica se trumbica.