sexta-feira, 16 de julho de 2010

Brisa

Foi rezar na língua dos anjos, cantar louvores, fazer penitência. Foi obreira, freira, pastora, ministra da eucaristia. Nada a convenceu. Então fez oferenda para Iemanjá, dançou para Exú. Falou também com espíritos, fez simpatias, jogou cartas. Pagou para lerem sua mão, pagou para ver seu destino refletido na bola de cristal.
Até o pároco da igreja se mostrou interessado a ajudar. Mas ele ficou irritado com os pensamentos dela. Levantou-se rápido, sacudiu a batina, deu com os ombros e a deixou lá, sozinha. No silêncio de sua solidão ela encontrou Deus.
Um pouco diferente do que haviam lhe falado. Com ele não precisava usar roupa certa, falar com respeito. Até o xingava e fazia gestos não educados perto dele. Ele a entendia. Encheu-se de graça no encontro consiga mesma. Decidiu divulgar, avisar que o céu não era nada daquilo que pensavam. Ninguém lhe deu ouvidos.
Olhou a rua, olhou as pessoas que passavam por ali. Fitou o seu vestido, o vento que carregava seus cabelos. Encarou suas mãos, seus pés. Decorou as cores do seu esmalte e o tamanho das suas unhas. Passou a mão no rosto para sentir sua pele, suas marcas ainda joviais. Reparou no seu próprio andar, em cada movimento que fazia enquanto voltava para casa. Quis ter certeza de que não era delírio. Fotografou o momento de sua libertação e achou que até a brisa que lhe batia não era mais a mesma.

2 comentários:

  1. Com certeza não era. A brisa era mais fresca, mais cheirosa, mais limpa. Mais dela.
    Lindo, amei.

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  2. Vou fuçar, fuçar, fuçar até encontrar um texto meu muuuuuuuuito parecido com este. E muito diferente também. Se é que você me entende.
    Gosto (muito) dos seus escritos.

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Porque quem comunica se trumbica.