quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O destino conjugando a vida

O ônibus que o trazia atrasou. Passou horas sem notícias dele. Pensou que tivesse desistido do encontro até receber uma mensagem avisando que chegaria somente à noite. Para a noite não tinham o que fazer. A sorveteria estaria fechada, a praça seria perigosa e o colega em comum teria ido para a casa dos pais, em outra cidade.
Como era a primeira vez que estariam juntos, ambos achavam que ir a casa dela era coisa precipitada. Na verdade, ela achava que era cedo demais. Mesmo não morando com os pais, teria que apresentá-lo a companheira de casa, aos vizinhos que certamente estariam reunidos no apartamento da frente. Era melhor que não fossem para casa dela. Então resolveram circular pelos arredores.
O bairro ficou pequeno e as horas passaram rápidas. Quando se deram conta, ele tinha que partir. Beijaram-se numa rua vazia, quase sem iluminação. Quando por fim se tocaram, a chuva veio. Não se importaram muito com o céu sem estrelas e as roupas molhadas. Foi a única vez que se viram. Mas bastou, para ele e para ela.
Por um tempo mantiveram contato. Depois se perderam um do outro. Ficaram anos sem se ver. Recentemente se encontram, relembraram daquela noite de chuva. Ele a elogiou, disse que continuava linda, que seus olhos mantinham o mesmo brilho. Ela agradeceu, falou da saudade que tinha e disparou perguntas, como sempre. Queria saber de tudo, como andava a vida dele.
Agora ele era casado. Foi tirando a foto da carteira, mostrando o filho de um ano. O filho era a cara do pai e o pai um babão. Perguntou se ele era feliz. Um silêncio ficou entre os dois. Não queria aquele silêncio, indagou por curiosidade, porque na época da faculdade ele nunca falou em filhos, casamento, essas coisas. No fim ele respondeu que não tinha do que reclamar. Entendeu que ele tinha seguido o ciclo natural da vida.
Ela falou do trabalho, da família, dos amigos, dos amores. Admitiu estar solteira. Ele não acreditou. Lembrou de quando se conheceram, dos rapazes que a desejavam. Mesmo com os anos, não poderia ser diferente, deveria haver muitos homens para ela escolher, já que continuava com a mesma beleza, a mesma simpatia, o mesmo tom harmônico de voz.
Não era preciso perguntar se ela era feliz, ele via a felicidade em seus olhos. Era do tipo que sorria além da boca, com o corpo inteiro. Falaram sem parar, queriam aproveitar o reencontro. Absorver a presença do outro. Depois de falar do presente, puseram-se a conversar sobre o passado. Do dia em que se encontraram, das conversas infindáveis que tinham, da companhia que um fazia ao outro nos dias em que a melancolia os visitava.
Por fim, o celular dos dois tocou. Ele tinha que levar o leite, ela tinha uma reunião. Despediram-se com um demorado abraço. Atravessaram a rua, em lados opostos. Saíram rindo, com a certeza de que a vida não era feita apenas de escolhas, mas de pequenos erros e um tanto de incerteza. Talvez se encontrassem daqui alguns anos de novo. Ela poderia estar casada e ele separado. Poderia ser ao contrário também. Ou nada disso.

Um comentário:

  1. É triste não conseguir escolher. Pior é reconhecer este fato. A sorte nem sempre está para todos. Mas a loucura é boa pedida. A loucura dribla as escolhas da vida e pode (mesmo que os outros a considerem mesmo loucura) fazer-nos felizes, de verdade. Bora ser loucos.

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Porque quem comunica se trumbica.