terça-feira, 24 de novembro de 2009

Zouá, Iamú e Louá: uma nota só

Zouá cresceu em meio a pirulitos gigantes e gororobas dançantes. Brincava com Iamú e Louá, com quem partilhava as bolinhas de gude, as frutas maduras caídas no chão, o taco de bets e o lápis de cor. Pintavam o 7, o 4, o 10 e o 1. Assim, sem se importar com a ordem.
Juntos gostavam de escorregar no arco-íris, de tomar banho na cachoeira de creme de leite e se lambusavam de café de tuti-fruti. Também, cheiravam flores que declamavam poesias e se encostavam em rochas cor de rosa maravilha. Zouá, Iamú e Louá se escondiam atrás de cogumelos afrodisíacos, onde moravam os duendes, cutucavam os ninhos dos dragões e apostavam corrida nos campos por onde trotavam os unicórnios.
Em noite de lua cheia, Zouá criava asas e dava voos rasantes sobre os pés de algodão doce. No céu, ela tocava as estrelas, invertendo seus lugares. Aconchegava-se e cochilava nas nuvens. Depois, apertava as mãos dos anjos que encontrava, puxando os seus cachinhos por entre as auréolas.
Já, Iamú, cuspia fogo pela boca. Brincava de dar luz às terras sombrias, zombava de bruxas, lobisomens e curupiras. Passava horas conversando com o homem do saco, esquentando-o do frio que lhe batia. Em noite de lua grande, Louá também se transformava. Ia para a água e virava sereia. Cercada de peixes, algas e conchas, dançava ao ritmo da maré. Sincronizada, era iluminada pelas ninfas de água doce.
Aos primeiros brilhos de sol, Zouá, Iamú e Louá perdiam a forma. Retomavam as brincadeiras de roda, comiam jujubas de jiló e glacê, que as borboletas teciam. Juntos apertavam as mãos e gargalhavam, suprindo a ausência daquela noite de lua cheia.
Zouá tirou do bolso um saquinho, surrado, de pano, desembrulhou-o. Lá tinha o pó de pirimpimpim. Deu um pouquinho para Iamú e outro tanto para Louá, dividindo o segredo de família.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Entre o vestido curto e a falta de respeito

A pátria tupiniquim, mais uma vez, cai nas graças do preconceito, da agressão e do anti-moralismo. O sinônimo do Brasil deveria ser hipocrisia. O país do futebol e do carnaval se contradiz diariamente, e, pior, massivamente. A nação do menor biquíni do mundo, do nudismo antes da páscoa e das mulheres frutas, como Melancia e Melão, desaprova vestido curto em estudante universitária. Que ironia!
E, o vestido curto, considerado ousado para aquela ocasião, toma dimensões maiores que a própria situação, diga-se repugnante. Do que falamos? Falamos sobre a estudante Geisy Arruda, 20 anos, de Turismo da Universidade Bandeirante (Uniban), em São Bernardo, no ABC paulista, que foi no dia 22 de outubro, para a universidade de vestido, considerado um tanto curto e ousado para a ocasião, causando um grande alvoroço pelos corredores, lotados por universitários que a hostilizaram. A jovem teve de ser escoltada pela Polícia Militar até sua casa.
E ninguém discutiu a situação, discutiu-se o comprimento do vestido, falou-se sobre roupas, dicas de moda, conceitos de vestimenta. Nada a respeito de machismo, de falso moralismo, de respeito e cidadania. O fato se limitou ao vestido, que, talvez, se não fosse curto como era (não era tão curto assim), não tivesse causado aquele tumulto. E, quem sabe, de calça jeans, Geisy, não tivesse garantindo para si a fama de ‘puta da Uniban’, como a intitularam nos vídeos expostos na web.
De acordo com a defesa de Geisy, até um dos policiais que a escoltou, teria repudiado a sua vestimenta e não os estudantes que a xingavam pelos corredores. "Ele deu lição de moral em vez de debelar a confusão", afirmou o seu advogado Nehemias Domingos de Melo.
Quanto à Unibam, instituição que deveria ter um posicionamento mais inteligente e ético, constata-se o insensato: a expulsão da estudante da universidade. A Uniban até que tentou ser mais cautelosa, mas a imprudência imperou na sindicância que foi instaurada para o caso. Assim, ao invés da expulsão dos alunos que incitaram as agressões, decidiu-se pela expulsão da estudante agredida. Os argumentos para tal ato são medíocres.
Alegando que a educação se faz com atitude e não complacência, a Uniban em nota publicada como anúncio publicitário em jornais neste domingo, 8, julga a vestimenta da moça, ressaltando que a mesma vinha vestindo com frequência roupas inapropriadas para usar numa universidade, e, mais, que Geisy, no dia 22, teria feito um caminho maior que o de costume, o que teria estimulado as agressões: “Foi apurado que a aluna tem frequentado as dependências da unidade em trajes inadequados, indicando uma postura incompatível com o ambiente da universidade, e, apesar de alertada, não modificou seu comportamento. A sindicância apurou que, no dia da ocorrência dos fatos, a aluna fez um percurso maior que o habitual aumentando sua exposição e ensejando, de forma, explícita, os apelos dos alunos que se manifestavam em relação à sua postura, chegando, inclusive, a posar para fotos.”
Não bastasse o descrito, a universidade (?) afirma que a atitude dos universitários perante à aluna foi “uma reação coletiva de defesa do ambiente escolar”:“Foi constatado que a atitude provocativa da aluna, no dia 22 de outubro, buscou chamar a atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar, o que resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar.”
Por fim, a instituição que diz fazer educação com atitude e não complacência reitera a expulsão de Geisy e a suspensão, temporária, dos universitários envolvidos no escândalo: Decisão do Conselho Superior da Universidade: Diante de todos os fatos apurados pela comissão de sindicância, o Conselho Superior, amparado pelo relatório apresentado e nos termos do Regimento Interno, decidiu, com base no Capítulo IV – Regime Disciplinar, artigos 215 e seguintes: 1 – Desligar a aluna Geisy Villa Nova Arruda do quadro discente da Instituição, em razão do flagrante desrespeito aos princípios éticos, à dignidade acadêmica e à moralidade; 2 – Suspender das atividades acadêmicas, temporariamente, os alunos envolvidos devidamente identificados no incidente ocorrido no dia 22 de outubro.
Com chave de ouro, a Unibam se diz descontente com a mídia, afirmando que os veículos de comunicação não contribuíram para um debate sério e equilibrado sobre temas fundamentais como ética, juventude e universidade. A nós, meros expectadores do fato e de sua repercussão, fica a dúvida: Entre o vestido curto e a falta de respeito, o que seria sério e equilibrado para a Uniban? Até os mais tolos responderiam apropriadamente esta questão.
*O texto foi escrito antes da Uniban voltar atrás e amenizar o ‘julgamento’ de Geisy, ‘acolhendo-a’ novamente na instituição. Também, escrevi antes dela ser convidada para posar nua e dela colocar megahair e mudar o visual (o vidinha!). Enfim, foi produzido antes de Geisy fazer piada da própria situação, aproveitando-se de uma ‘fama’ momentânea.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Doping, por favor

Hoje bateu a saudade dos meus tempos áureos, daqueles dias que me ligavam para mimar ou das noites mal dormidas devido a um bate-papo, sem nexo, no mundo virtual. À minha memória remetem cenas bregas de relacionamentos sem futuro, sem regras e sem monotonia. Épocas em que a instabilidade reinava e esse era o charme. Era o tal do amor que batia na porta mas não entrava e que chutava para o gol, mas era contra. Tempos em que os jogadores poderiam ser escolhidos a dedo, e ainda tinha a reserva. Que beleza! Então, o jogo acabou. Limito-me às lembranças das investidas não vestidas. E, com isso vem a vontade de trocar de categoria. Quem sabe basquete? Pois eu quero cesta! Entretanto, para ser cesta tem que ter a tal da habilidade e da sorte. Eu sou desprevenida, sem dotes e sem sorte.

* http://www.youtube.com/watch?v=wuEdS4zYhVg

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A queda do palco poderia ser a do preconceito

“O Brasil tem esse lado cor de rosa, a maior parada gay do mundo, a maior associação de gays, lésbicas e transgêneros da América do Sul. E tem o lado vermelho-sangue: a cada dois dias, um gay é assassinado.” Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia

Foi hoje, o palco caiu e junto com ele o Governador do Estado, Roberto Requião, que sofreu uma luxação no pé esquerdo, mas passa bem. Nenhum outro arranhão, nada grave. O fato ocorreu na solenidade de entrega de ônibus - daqueles que ele tem distribuídos aos montes - na cidade de Paiçandu, no noroeste do Estado. A queda do palco poderia ser a do preconceito, mas, uma pena, não foi.
Na semana passada nosso queridíssimo chefe de Estado mostrou, mais uma vez, a sua intensa (ou será extensa?) ignorância, ao dizer que o câncer de mama nos homens pode ter aumentado devido às passeatas gays: “A ação do governo não é só em defesa do interesse público. É da saúde da mulher também. Embora hoje o câncer de mama seja uma doença masculina também. Deve ser consequência dessas passeatas gay", disse ele, ao anunciar as ações para o controle da doença no Estado. Pronunciamento infeliz, triste, tristemente.
Com os pés fincados no século 21, nosso País, ainda, teima em cavalgar à moda Idade Média e o tio Requião é apenas mais um destes típicos cavaleiros medievais. De acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travesti e Transexuais (ABGLT), o Brasil, mesmo tendo a maior parada gay do mundo, a de São Paulo, é o País que mais mata homossexuais no planeta. No ano passado foram registrados 190 assassinatos, um a cada dois dias, superando a média de 2007, ano em que houve 122 homicídios. Este ano, só no Paraná foram mortos 19 gays e travestis.
Campeão mundial em crimes de homofobia, o Brasil, quando comparado com os países prata e bronze, ganha em disparada no quesito ignorância. Em segundo lugar está o México com 35 assassinatos anuais (aqui são 190) e em terceiro lugar, bronze ignorância, nosso Tio Sam, os E.U.A., com 25 crimes por ano (aqui são 190).
A sociedade do livre arbítrio, por ora, não sabe lidar com o diferente, embora propague aos quatro ventos que sim: ‘viva as diferenças’. Mais de 3 milhões de pessoas vão à parada gay de São Paulo e o Brasil foi a primeira nação que realizou a primeira conferência GLBT do mundo, além de ter o primeiro presidente que apresentou um programa nacional para os gays. Quais são os frutos disto? Um arco-íris de hipocrisia. É o preconceito enrustido, expresso nos números de assassinatos de homossexuais que é crescente ano a ano. As estatísticas são altas e declarações como a de Requião só fomentam o preconceito, a discriminação e a violência à classe...Alguém aceita mamonas de sobremesa?